domingo, 11 de dezembro de 2016

As vísceras podres do Judiciário Brasileiro.


Foto – A famosa frase de Rui Barbosa.
Em vida, Rui Barbosa teria dito que “A pior ditadura é a do judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. E é isso que o Brasil hoje em dia vive. No dia 29 de novembro, três dos cinco integrantes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, tirando proveito da tragédia que se abateu com o time da Chapecoense ocorrida no dia anterior, decidiram que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime, assim como cancelaram o pedido de prisão de médicos que faziam tal prática. Em outras palavras, o que o Poder Judiciário fez é a descriminalização irrestrita do aborto até o terceiro mês de gestação (nossa posição sobre o aborto pode ser vista em artigos anteriores como “Manifesto à mulher brasileira – diga um não sonoro à agenda abortista”). E não é só isso: está havendo uma queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo por causa do pacote de medidas contra a corrupção. No que tem deixado gente como Deltan Dallagnol (o mesmo Dallagnol que em setembro disse o impropério de que a diferença de desenvolvimento entre Brasil e Estados Unidos se deu pelo fato de que enquanto para o Brasil supostamente só vieram criminosos e degradados vindos de Portugal, para os EUA foram pessoas cristãs com um sonho de vida e que essa é a origem da corrupção brasileira) contrariada e que levou muitas pessoas a se manifestarem no dia 4 de dezembro a se manifestarem em favor de seu herói ambulante do momento, o juiz Sérgio Moro.
O que dizer a esse respeito? É o Judiciário mais uma vez mostrando suas vísceras podres ao país, como a própria Operação Lava Jato tem mostrado desde que foi deflagrada no ano retrasado. Primeiramente, isso mostra a todos nós que gente como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia limitada em realidade não são os paladinos da moralidade que a grande mídia e que abnegadamente defendem o bem comum de toda a sociedade brasileira, e sim pessoas que defendem acima de tudo os interesses de classe de sua categoria e que dentro da luta de classes que atravessa historicamente a sociedade brasileira estão do lado do andar de cima. Ou seja, como no dito no artigo “Escola sem Partido – do que se trata? Parte 4”, eles legislam em favor da classe dominante, e são pessoas que levam vidas nababescas, ganham salários altíssimos (muitas vezes acima do teto permitido por lei), são reacionárias até a medula e que acham do alto de suas togas e seus cargos que estão acima da lei, por vezes até mesmo escolhidos por Deus para fazer o que fazem.
Para vocês terem noção da situação, o Brasil tem uma das justiças mais caras do mundo (além de ineficaz, cara, classista e partidária), que consome 1,3% do PIB e 2% de todo o orçamento da União (enquanto que o Bolsa Família que a direita raivosa vive falando que é “esmola” e “fábrica de vagabundos” só consumia 0,47% e as Forças Armadas só 1,40% do mesmo orçamento). E o que aqueles alienados que acham o juiz Moro e o procurador Dallagnol os paladinos da moral contra a corrupção certamente não sabem é que para uma pessoa poder se tornar juiz no Brasil, além de fazer concurso público e estudar em faculdades de magistratura durante anos a fio, precisa fazer uma entrevista pessoal. E nessa entrevista pesa e muito fatores como o fato de a pessoa pertencer a uma família tradicional e ter amizades com autoridades constituídas tais como políticos de direita e empresários. Também não há eleições para a ocupação de cargos dentro da instituição. E tudo isso é pensado visando à manutenção do status quo das elites brasileiras ad eternum. Ou será que o Maluf dizia que confia na justiça brasileira por um mero capricho ou acaso do destino?
Isso também mostra que o Judiciário brasileiro é ideologicamente afinado com o progressismo moral vigente em países como os Estados Unidos e a Europa Ocidental, no que o torna ideologicamente mais próximo da Rede Globo e da Revista Veja que de figuras como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Silas Malafaia (ou seja, conservadores no plano político, mas liberais no plano social), assim como não tem o menor pudor em adotar medidas que prejudiquem o mesmo povo que os vê como a reserva moral da nação. Irônico isso, não?
O que há por trás de toda a adulação da classe média tupiniquim a Moro, Dallagnol e companhia limitada nada mais é que o rechaço às políticas de ajuda social e a ascensão social delas decorrente que o Partido dos Trabalhadores promoveu desde 2003 através de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. E ao atacar furiosamente o partido que promoveu toda essa inclusão social nesses anos todos (a despeito de suas limitações e debilidades), acabam ganhando o apoio dessa gente que segundo Marilena Chauí tem o sonho de se tornar parte da classe dominante e o pesadelo de se tornar proletária. Ou seja, os juízes e promotores do Paraná que ferozmente perseguem os petistas são para a classe média a esperança de que ponham um fim ao pesadelo deles, que não raro se queixam que “aeroporto virou rodoviária” e retóricas afins. Queixas essas hipócritas, pois esses elementos querem agir com a classe dominante da mesmíssima forma com que a suposta “nova classe média” com eles age.
E esse é o tipo da gente que não raro se diz contra o aborto e pró-vida, mas ao mesmo tempo é contra os programas sociais que permitem às crianças dos recantos mais miseráveis do país uma vida um pouco melhor após o seu nascimento, alegando que são “esmola”, “fábrica de vagabundos” e discursos do tipo. A meu ver, o Bolsa Família e os outros programas sociais dos governos petistas podem (e devem) ser legitimamente criticados por causa de suas debilidades como a de não ter mexido nos privilégios da classe dominante e não ter ajudado a politizar as pessoas por ele beneficiados, no que ajudou a criar uma legião de pobres de direita (vulgo capitalistas sem capital) que hoje votam em políticos como o Dória. Agora criticá-los só por que supostamente fabricam vagabundos, estimulam a vadiagem e são esmola como os elementos reacionários incorrem, isso é o mais torpe e vulgar moralismo, pois criticam o programa pela simples existência dele.
Algo igualmente digno de nota é que muitos petistas, entre eles Sérgio Mamberti e o próprio Lula, se gabam de que nos anos em que o Partido dos Trabalhadores ocupou o Palácio do Planalto fortaleceram órgãos como a Polícia Federal e o Ministério Público no combate à corrupção. Entretanto, da maneira como isso foi feito, sem levar em consideração que esses órgãos são grandes antros reacionários, o que se fez foi nada mais que alimentar e criar o monstro que agora quer a todo custo sua cabeça. Tal qual, por exemplo, em Inuyasha quando a sacerdotisa Kikyou cuidou e alimentou do ferido e imóvel bandido Onigumo, que tempos depois se transformou em Narak e se virou contra ela, matando-a sem dó nem piedade. Ou o mesmo o Doutor Maki Gero[1] em Dragon Ball Z, que foi morto pelos mesmos androides que ele mesmo criou para matar Goku e seus amigos.
Entendam uma coisa: para alguém como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, uma figura como Lula, Dilma, José Dirceu, José Genoíno ou mesmo os finados Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes e Miguel Arraes, ligadas a partidos de caráter popular (e que, portanto, propõe um desafio ao poder vigente e mudanças estruturais na sociedade do país que eventualmente incidam sobre suas mordomias), são bandidos de alta periculosidade que não tem o menor direito de ocupar a presidência do país e que o lugar onde deveriam estar é atrás das grades. Certamente, essa gente do aparato judiciário-policial brasileiro desde o primeiro dia do governo Lula (quiçá até antes mesmo disso), queria ver o político pernambucano e seus partidários na cadeia (por mais limitados e inofensivos aos poderosos de plantão que eles sejam no campo ideológico). E agora que eles possuem tal poder em mãos (e ainda contando com o apoio de parte significativa da população brasileira), será que não iam se aproveitar disso para fazer valer sua vontade, ainda mais agora que a classe dominante não quer mais saber dos petistas como gerentes do Estado burguês brasileiro? Só um ingênuo pode achar que eles jamais fariam isso. E para isso não terão o menor pudor em utilizar-se das mais ridículas e fajutas acusações para persegui-los, muito menos em atropelar direitos como o da presunção à inocência.
O que o judiciário reacionário brasileiro hoje está fazendo com Lula sob a liderança de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol é em nada diferente do que o judiciário racista norte-americano, sob a liderança do procurador Tom Sneddon (falecido em 2014), tentou fazer com Michael Jackson em 1993 com o caso Jordan Chandler e entre 2003 a 2005 com o caso Gavin Arvizo, onde o rei do pop teria lhes supostamente molestado sexualmente. Ou seja, uma feroz perseguição de caráter jurídico-policial a uma figura de grande apelo popular e de origens humildes que conseguiram grande projeção em seus respectivos países. Lula, um retirante nordestino que foi do pau-de-arara à Presidência da República e que é considerado por muitos como o melhor presidente que o Brasil já teve em toda a sua história junto com Getúlio Vargas. E Michael Jackson, filho de trabalhadores da cidade de Gary que antes da fama vivia em uma casa pequena e que se tornou o dono do disco mais vendido de toda a história, Thriller, e aclamado como o rei do pop (e ainda com o agravante o fato de ser negro em um país de passado colonial escravista). Por causa de suas origens, essa gente das elites, do alto de suas togas e seus salários polpudos, jamais as olhará como se fosse alguém de seu círculo social. Jamais os deixará fazer parte de sua confraria. Pelo contrário, as olhará de baixo para cima de forma no mínimo indiferente e rançosa. E algo que há também em comum entre o rei do pop e Lula é que ambos sofreram muito ante a guerra informativa promovida pelos grandes veículos de comunicação. Tal analogia, diga-se de passagem, é a meu ver extremamente pertinente, tendo em vista que Moro e sua turma demonstram grande admiração pelos Estados Unidos e suas instituições e acham que é um país cujo exemplo deve ser seguido pelo Brasil.
Resumo da ópera: o processo de judicialização da política que o país vive (análogo o que se vê em países como a Argentina e a Colômbia) nada mais é que fruto de uma política feita pelo Partido dos Trabalhadores. E não é só isso: os juízes e promotores agora estão exercendo o mesmo papel que os militares exerceram no período entre 1964 a 1985, de carrascos que defendem o status quo privilegiado da classe dominante contra lutas populares. E o que é pior, a boiada acéfala que faz passeatas de rua em favor de Moro e sua trupe mal sabem que estão fazendo a mesma coisa que Lula e sua turma fizeram quando fortaleceram o Ministério Público e a Polícia Federal no combate à corrupção sem levar em consideração o elemento reacionário lá presente: chocar o ovo da serpente que mais cedo ou mais tarde lhes picará, tal qual fizeram em 1964 quando deram apoio aos militares em passeatas como a Marcha pela Família com Deus pela Liberdade. Pelo visto, o ódio ao PT cegou essa gente a tal ponto que eles não sabem o que estão fazendo.

Foto – O judiciário brasileiro. Crédito: Legião Nacional Trabalhista.

Fontes:
A justiça mais cara do mundo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/a-justica-mais-cara-do-mundo-19689169
Dallagnol explica a corrupção no Brasil: cristãos de verdade foram para os Estados Unidos. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/dallagnol-explica-a-corrupcao-no-brasil-cristaos-de-verdade-foram-para-os-estados-unidos.html
Judiciário, reacionário por sua própria natureza. Disponível em: http://causaoperaria.org.br/judiciario-reacionario-por-sua-propria-natureza/
Juízes estaduais e promotores: eles ganham 23 vezes mais do que você. Disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/juizes-estaduais-e-promotores-eles-ganham-23-vezes-mais-do-que-voce.html
Lula: “pacto diabólico entre mídia, PF, MP e Sérgio Moro”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FpRMvIYSrTY
Sérgio Mamberti: “por que perseguem Lula? Cadê as provas? Cadê?” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1xI9YOdCP4k



Nota:

[1] Leia-se “Guero”, pois no japonês, assim como em idiomas como o russo, o alemão, o húngaro, o polonês e o mongol, o som da partícula g não muda em função da vogal seguinte tal qual nas línguas latinas e no inglês.

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