sexta-feira, 15 de julho de 2016

Recordar é viver, parte 2 - Revolução Industrial ontem e hoje.


Foto – Cena do filme “Modern Times” (Tempos Modernos no Brasil), estrelado por Charlie Chaplin (1889 – 1977).
O atual presidente da Confederação Brasileira da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, falou em “flexibilização das leis trabalhistas” e até mesmo na possibilidade de aumentar a jornada semanal de trabalho de 44 para 80 horas. Ele afirmou que o governo deve promover “medidas muito duras” na Previdência Social e nas leis trabalhistas para equilibrar as contas públicas, citando como exemplo o caso da França. Caso isso venha a se concretizar, a jornada semanal do trabalhador brasileiro será aumentada em cerca de 82% (ou seja, quase o dobro). Em média, o trabalhador brasileiro no máximo trabalha 8 horas por dia (ou seja, uma jornada de trabalho que ocupa um terço do dia). Para alcançar tal carga horária, o trabalhador brasileiro teria que trabalhar por dia ao redor de 16 horas (ou seja, duplicar a carga horária diária do trabalhador brasileiro). Sob uma carga horária de 80 horas semanais, isso significaria que o trabalhador brasileiro teria que passar cerca de metade de seu tempo semanal no chão da fábrica, e assim em casa ele praticamente só teria tempo para dormir e comer.
Primeiro de tudo, não é a primeira vez que vemos representantes da elite brasileira soltando comentários desse tipo. Lembremos que Benjamin Steinbruch, presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), queixou-se no programa da web TV Poder e Política em 25 de setembro de 2014 da quantidade de direitos trabalhistas e do fato de o operário brasileiro ter uma hora de almoço e que nos Estados Unidos, ao mesmo em tempo em o operário come um sanduíche com a mão esquerda ele com a mão direita opera uma máquina.
Segundo, evidencia o caráter de classe do estado moderno não apenas no Brasil como também no mundo em que vivemos, o qual foi definido por Karl Marx em o Manifesto do Partido Comunista (1848) como o comitê de negócios da burguesia. E o que Marx quis dizer com isso? Que os grandes capitalistas fazem do estado uma espécie de balcão de negócios para administrar e levar adiante seus negócios particulares, de forma a fazer com que as políticas desse mesmo estado lhes favoreçam (haja vista que sob os governos Lula e Dilma ao mesmo tempo em que programas sociais como o Bolsa Família ajudaram a tirar milhões da linha da pobreza os banqueiros e outros rentistas tiveram ganhos bilionários). Assim sendo, ao contrário do que muitos ingênuos pensam, o estado tem seu caráter de classe e não é uma entidade abstrata que está acima dos conflitos de classes. E isso mesmo o Brasil tendo passado 13 anos sob o governo do Partido dos Trabalhadores, um partido de corte popular e de massas. Portanto, independentemente de quem esteja ocupando a chefia de uma nação, quem detêm o poder de fato são os grandes capitalistas e não o fulano que ocupa a cadeira presidencial (que por sua vez quando explode uma crise em que seu mandato é ameaçado é comumente feito de bode expiatório perante a população. Assim, governos de diferentes partidos entram e saem, mas aqueles que mandam por trás das cortinas continuam os mesmos).
E terceiro, essas declarações mais uma vez escancaram a nós que tipo de classe dominante o Brasil tem. É uma classe que não tem o menor pudor em se valer dos mais abjetos artifícios para conseguir seus objetivos (nem que para isso tenham que revogar a lei Áurea) e que se não é herdeira biológica dos senhores de engenho dos períodos colonial e imperial e/ou dos barões do café da República Velha, ao menos carrega a mesma mentalidade deles, onde o escravo negro (e posteriormente também o trabalhador europeu origem imigrante) era tratado como se fosse um carvão para ser queimado da forma mais descartável possível em suas plantações. Essa mesma classe dominante, historicamente, sempre se caracterizou por sua visão de mundo cosmopolita, além de tratar a questão social como “caso de polícia” e de em 1964 ter sido o braço civil do golpe civil-militar daquele ano.
Essas declarações, obviamente, estão inseridas dentro da situação de crise econômica que o país (e a economia mundial como um todo) se encontra. O trabalhador brasileiro, assim como o trabalhador latino-americano e das demais regiões periféricas do sistema capitalista, está submetido àquilo que o finado sociólogo brasileiro Ruy Mauro Marini (1932 – 1997) chamava de super-exploração[1] da força de trabalho. Assim sendo, carrega sobre suas costas um fardo ainda maior que o trabalhador dos países centrais carrega. Igualmente nesse contexto está inserido o projeto de lei 4330/2004, de autoria de Sandro Mabel (PL-GO), que sob o pretexto de regulamentar a terceirização no país, retira os direitos dos trabalhadores tais como seguridade social e outros (além de reduzir salários). Isso significa nada menos que sacrificar ainda mais o trabalhador para garantir os lucros dos super-ricos brasileiros nesse período de crise e ao mesmo tempo resolver o problema da situação econômica do país sem tocar em seus privilégios (entre eles o de não pagar impostos ao fisco), muito menos nos lucros astronômicos dos banqueiros e outros rentistas através do super-endividamento do estado brasileiro e das altas taxas de juros com que se pagam o serviço das dívidas interna e externa (ou seja, aquilo que Brizola em vida chamava de “perdas internacionais”), assim como no constante assalto que essa gente promove ao estado brasileiro. Ou seja, para a classe dominante nacional, quem tem que pagar o ônus a crise que eles mesmos criam é o povo e não eles. É a velha lógica de ganhos concentrados para poucos e prejuízos socializados para todos (menos eles, obviamente).
Essas propostas no mínimo esdrúxulas da parte do presidente da CNI é uma verdadeira volta ao passado, mais precisamente para a Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, que a época passou pela Revolução Industrial. Ao mesmo tempo em que a Revolução Industrial trouxe muita riqueza para a burguesia inglesa e um grande avanço tecnológico para a humanidade (tais como locomotivas, barcos a vapor, telégrafo, teares mecânicos, entre outros), ela também teve seu lado sombrio. Os operários que trabalhavam nas fábricas comumente trabalhavam debaixo de péssimas condições de iluminação e ventilação, tinham uma vida extremamente miserável, moravam em condições precárias onde o convívio com a falta de higiene era diário e eram comuns jornadas de trabalho que se arrastavam por até 16 horas (ou seja, o trabalhador passava cerca de 2/3 de seu dia na fábrica, tendo de folga praticamente só tempo para dormir) e onde até mesmo mulheres e crianças trabalhavam (para as primeiras a jornada de trabalho variava entre 14 a 16 horas e para as segundas, entre 10 a 12 horas por dia. E ainda assim ganhavam um salário bem miserável). O fantasma do desemprego e da miséria igualmente rondava a massa trabalhadora inglesa, que na época não tinha nem direito a férias e a dias de descanso. Também era uma constante para os trabalhadores ingleses da época acidentes de trabalho decorrentes de explosões nas máquinas que comumente deixavam seus corpos aleijados e/ou mutilados, já que trabalhavam sem equipamento de segurança. E para piorar ainda mais a situação eles não tinham nem mesmo direito a assistência médica e seguridade social.

Foto – Operários ingleses quebrando máquinas de indústrias no período do ludismo.
A situação chegou a tal ponto que os trabalhadores ingleses começaram a se organizar em movimentos, a fazerem greves, criarem sindicatos (chamados nos países de língua inglesa de trade unions) e a lutar por seus direitos. Um deles foi o ludismo, muito forte e ativo na primeira metade da década de 1810 e formado por grupos de trabalhadores que invadiam as fábricas e quebravam as máquinas das indústrias (por eles vistas como a causa da ruína de suas vidas). O ludismo surgiu no contexto das dificuldades econômicas decorrentes das Guerras Napoleônicas e eles conseguiram alguns êxitos, a ponto de fazerem alguns patrões não reduzirem seus salários com receio de futuras revoltas. Para conter esse movimento, as autoridades inglesas recorreram à repressão e a leis que tornavam crime a destruição de máquinas, como a “Frame Breaking Act” e a “Malicious Damage Act” (Lei da quebra de sistemas e Lei dos danos maliciosos, respectivamente). Em 1802 foi promulgada na Inglaterra por iniciativa do então Primeiro Ministro Robert Peel aquela que é considerada a primeira lei trabalhista, a “Moral and Health Act (Lei da Moral e da Saúde), que estipulava a proibição do trabalho noturno e o máximo de 12 horas para o trabalho infantil. Mas isso não foi o suficiente para conter a insatisfação das massas quanto a sua situação nas fábricas. Em 1830, surgiu o movimento cartista na Inglaterra, que redigiu um documento chamado “Carta ao Povo” e o enviaram ao Parlamento Inglês, reivindicando, entre outras coisas, o sufrágio universal masculino (ou seja, todos os homens teriam direito ao voto). Entretanto, isso só foi conquistado em 1867.

Foto – Jornada de trabalho: CLT atual x Plano Temer.
No decorrer do século XIX, a Revolução Industrial se espalhou para outras partes do globo, alcançando países como França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, Rússia e outros. E junto com a difusão da Revolução Industrial, também se difundiram os movimentos em defesa das massas operárias ante a exploração que era submetida no chão das fábricas. A questão dos direitos dos operários foi pela primeira vez discutida em 1848 por Karl Marx e Friedrich[2] Engels[3] em “O Manifesto do Partido Comunista”. Mas foi apenas em 1881 que uma legislação específica para a questão da segurança do trabalhador foi criada. Isso aconteceu na Alemanha, durante o governo de Otto von[4] Bismarck. De acordo com essa legislação, as empresas eram obrigadas a subscreverem apólices de seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade, velhice e doenças, assim como o reconhecimento dos sindicatos. Isso abriu o precedente para a criação da responsabilidade social de Estado, seguida por muitos países no decorrer do século XX. Mas foi apenas em 1917 que a jornada de 8 horas por dia, assim como a regulamentação do trabalho feminino e infantil, férias remuneradas e proteção do direito à maternidade foi prevista por lei, foi prevista por lei, pela Constituição do México, que a época passava por um processo revolucionário. Dois anos depois, esses mesmos direitos passaram a ser previstos pelas constituições de países europeus.
No Brasil, as primeiras discussões a respeito de leis trabalhistas no final do Segundo Reinado (1840 – 1889), especialmente após a abolição da escravidão em 1888. As primeiras normas de trabalho surgem em 1891 com o decreto nº 1313, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos. Nessa mesma época, surgem as primeiras organizações de trabalhadores e sindicatos em território brasileiro. Mas é apenas depois da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio da parte de por Getúlio Vargas que a legislação trabalhista tupiniquim toma forma, com a constituição de 1934 sendo a primeira a tratar do tema e assegurando liberdade sindical, salário mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas, proteção do trabalho feminino e infantil e isonomia salarial. Essa legislação foi mantida na Carta de 1937 e depois transformada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943. Mais ou menos nessa mesma época, também nasceram os primeiros sindicatos rurais.
Entretanto, após a era Vargas, os trabalhadores brasileiros enfrentaram uma série de reveses. Durante o governo Castelo Branco (1964 – 1967), já sob o regime civil-militar (que se originou de um golpe de caráter essencialmente patronal), foi implantado o decreto nº 4330, conhecido como a lei anti-greve, que na prática as proibiu devido às muitas regras impostas para sua realização. Na década de 1970, surge no Brasil um novo sindicalismo, cujo núcleo é o ABC paulista. Em 1978, os operários de São Bernardo do Campo (SP) fizeram uma grande que desafiou o regime civil-militar. Ao término da ditadura em 1985, as conquistas dos trabalhadores foram restabelecidas, entre elas o direito à greve e a livre associação sindical e profissional através da lei nº 7783/89. E foi desse sindicalismo nasceu a figura de Lula e do Partido dos Trabalhadores.
Resumindo a ópera: se propostas como a do presidente da CNI vierem a ser aprovadas, toda a história de lutas da classe trabalhadora brasileira será jogada no lixo da forma mais descartável possível. E isso em nome da acumulação do capital e da manutenção dos privilégios dessa gente. E o que é pior: isso, caso venha a se consumar, será a concretização do sonho de Fernando Henrique Cardoso, do alto de sua arrogância e petulância, que ele exprimiu em seu discurso de despedida do cargo de senador em 14 de dezembro de 1994, onde disse que a era Vargas e seu legado era uma página que deveria ser enterrada da história do Brasil. Em outras palavras, a continuação e a intensificação da infame privataria[5] iniciada por Collor e FHC no decênio retrasado. Deixo aqui meus parabéns aos imbecis que, do alto de seu antipetismo raivoso e acéfalo, bateram panela e foram às passeatas de rua pedindo a queda de Dilma e a consumação do golpe judiciário-midiático. Que não reclamem de agora terem de trabalhar durante dois terços de um dia inteiro e que agora aguentem os mandos e desmandos do governo Temer e patota limitada.

Foto – Robson Braga de Andrade, atual presidente da CNI. Crédito: Avante.
Fontes:
As fábricas e os trabalhadores. Disponível em: http://revolucao-industrial.info/as-fabricas-e-os-trabalhadores.html
Com o fim da escravidão, jornada de trabalho de 80 horas. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/com-o-fim-da-escravidao-jornada-de-trabalho-de-80-horas
Darcy Ribeiro, sobre a elite. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SX5O-IAyO38
FHC decreta o fim da Era Vargas. Quá, quá, quá!! Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/08/24/fhc-decreta-o-fim-da-era-vargas-qua-qua-qua
Luddite (em inglês). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Luddite
Nildo Ouriques – onde é gasto o dinheiro público? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jXfobSEsY0I
Nildo Ouriques – os três níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xbgVmPeVn08
Pela jornada de 80 horas para quem vestiu camisa verde e amarela. Disponível em: http://www.blogdacidadania.com.br/2016/07/pela-jornada-de-80-horas-para-quem-vestiu-camiseta-amarela/
Presidente da CNI fala em mudar lei trabalhista e cita jornada de 80 horas. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/07/cni-elogia-meta-fiscal-de-2017-mas-se-diz-contra-aumento-impostos.html
Privatización y Privatería (em espanhol). Disponível em:
Documentário: Ruy Mauro Marini e a dialética da dependência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ww4_HoY-UYA
Ruy Mauro Marini. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Mauro_Marini
Super-exploração do trabalho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Superexplora%C3%A7%C3%A3o_do_trabalho

NOTAS:

[1] De acordo com Ruy Mauro Marini, o conceito de super-exploração da força de trabalho, abordado pela primeira vez em sua obra Subdesarrollo y revolución (1968), é a combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa através da intensificação na exploração da mão-de-obra. Tal conceito, que é a base da teoria marxista da dependência, consiste dos mecanismos que a burguesia de um país periférico dentro da engrenagem capitalista mundial utiliza para aumentar ainda mais a mais-valia extraída das massas trabalhadoras, já que essa mesma burguesia, por sua condição de sócia minoritária do capital transnacional, tem que reparti-la com seus sócios estrangeiros. O resultado prático disso seria a realimentação da situação de dependência em relação aos países centrais da engrenagem capitalista mundial e a manutenção do subdesenvolvimento, mesmo com a existência de uma industrialização interna.
[2] Leia-se “Friedrirr”, pois no alemão a partícula ch tem o mesmo valor do h no inglês, do j e do g quando sucedido por e ou i no espanhol e o kh no russo: r aspirado.
[3] Leia-se “Enguels”, pois no alemão, assim como em idiomas como o russo, o mongol, o japonês, o polonês e outros, o som da partícula g não muda conforme a vogal seguinte tal qual nas línguas latinas e no inglês.
[4] Leia-se “Fon”, pois no alemão a partícula v tem som de f.
[5] O termo privataria é um neologismo que une as palavras privatização e pirataria. Foi criado pelo jornalista brasileiro Hélio Gaspari e popularizado pelo também jornalista Amaury Ribeiro (autor do livro “A Privataria Tucana”, sobre as falcatruas do processo de privatização no Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso [1995 – 2002]).

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