domingo, 22 de maio de 2016

Modernização sem ocidentalização


Figura - "Grozny" por Aleksey Belyaev-Guintovt (2004)

Por Aleksandr Dugin
Tradução por Lucas Novaes

A Terceira Posição
No famoso artigo de Samuel Huntington descrevendo o iminente “choque de civilizações”, Huntington menciona uma importante formula: “modernização sem ocidentalização”. Essa formula descreve a relação de problemas envolvendo o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico vivida por alguns países (em geral, aqueles do Terceiro Mundo) que, enquanto entendiam a necessidade objetiva de desenvolver e melhorar seus mecanismos sociais, políticos e econômicos, recusaram-se a seguir cegamente o Ocidente, esforçando-se para colocar algumas tecnologias ocidentais – isoladas de seu conteúdo ideológico – a serviço de seus sistema de valores tradicionais e características nacionais, religiosas e políticas. Muitos representantes das elites do Oriente, tendo sido educados nos países ocidentais, retornaram aos seus países de origem com um conhecimento técnico importante e metodologias que eles então usaram para fortalecer seus próprios sistemas nacionais. Portanto, ao invés da aproximação entre civilizações esperada pelos otimistas liberais, o que aconteceu foi o armamento de certos regimes “arcaicos”, “tradicionalistas”, regimes com novas tecnologias que tornaram o conflito civilizacional mais aguçado.  
À essa análise perspicaz, pode ser adicionada a consideração de que a maioria dos intelectuais “ocidentalizados”, figuras culturais, e indivíduos criativos eram e são fortemente não-conformistas, pessoas “do Oriente” contra o sistema que, ao estudar a mentalidade do Ocidente, fortalecem suas próprias posições críticas. Um exemplo característico de tal caminho é o de Ali Shariati, o maior teórico da Revolução Iraniana. Shariati estudou em Paris, dominou o pensamento de Heidegger e Guénon assim como de vários autores neomarxistas, e gradualmente chegou a convicção de que a síntese conservadora-revolucionária entre o xiismo revolucionário, Islão místico, Socialismo e existencialismo era necessária. Shariati era então capaz de trazer a elite intelectual iraniana e a juventude para a revolução, grupos esses que, em outras circunstâncias, jamais reconheceriam seus ideais no sombrio tradicionalismo dos mulás. Esse exemplo é especialmente importante já que estamos lidando com uma revolução bem-sucedida que acabou em completa vitória de um regime anti-globalista, antiocidental e conservador-revolucionário.
O mesmo caminho foi feito por russos eslavófilos que tomaram emprestados vários modelos de filósofos alemães (Herder, Fichte, Hegel) que iriam se tornar a base da convicção puramente nacional russa. O mesmo é o método dos russos neo-eurasianos que estão, de forma criativa, unindo as doutrinas não-conformistas da “nova esquerda” e “nova direita” aos interesses da Rússia.
A Autarquia dos Grandes Espaços
Dissecar os conceitos de “modernização” e “Ocidentalização” é um ato de grande valor. Afinal, o Ocidente está fazendo tudo o que pode para que ambos os termos sejam difundidos como sinônimos na consciência das massas. De acordo com essa lógica, reforma e mudança são possíveis apenas se elas são orientadas em favor do Ocidente e as cópias de seu modelo. A alternativa é apresentada como “estagnação”, “arcaísmo”, “conservadorismo”, ineficiência e falta de dinamismo. Portanto, o Ocidente alcança seu objetivo civilizacional impondo os limites, leis e critérios feitos pelo mesmo no resto do mundo. Essa parcialidade e egoísmo do liberalismo em relação àqueles para quem o liberalismo é promovido como “alternativa progressista” foi brilhantemente descrita pelo teórico gênio da economia, Friederich List. Em seus trabalhos, List mostrou que países que seguiam o caminho da economia de livre mercado e do liberalismo há tempos, invariavelmente se beneficiam das imposições de um modelo similar em outros países usando modelos alternativos. Como podemos ver, os termos “iguais” de “livre comércio” levam, de fato, ao enriquecimento das economias de mercado desenvolvidas e ao empobrecimento daqueles que, tardiamente, tentam seguir o caminho do mercado. Os ricos, nesse caso, ficam mais ricos enquanto os pobres mais pobres. Da mesma forma, para List, países tradicionalmente liberais (primariamente os anglo-saxões) são largamente beneficiados pela imposição de seu próprio modelo o resto do mundo, considerando que isso garante a sua obtenção de lucros políticos e econômicos colossais.
Mas qual é a saída para tais países não liberais que, devido a circunstâncias objetivas, são confrontadas com competidores liberais efetivos e agressivos? Esse problema foi especialmente agudo para a Alemanha no século XIX, o mesmo país em que Friederich List foi chamado para ajudar. Sua resposta foi a teoria da “autarquia dos grandes espaços”, que é um sinônimo econômico de “modernização sem ocidentalização”. Deve ser notado que as ideias de List foram empregadas por diferentes políticos como Walther Rathenau, Count Witte e Vladimir Lenin com enorme sucesso.
O conceito de “autarquia dos grandes espaços” implica que estados que não são de mercado, deixados em condições de dura competição com os de mercado, devem trabalhar em um modelo desenvolvimento autônomo que parcialmente produz os desenvolvimentos tecnológicos de sistemas liberais no framework severamente restrito de uma “união aduaneira” de larga escala. Nesse caso, “livre comércio” é limitado pela estrutura de um bloco estratégico de estados integrando seus esforços políticos, administrativos e econômicos com o objetivo de aumentar a dinâmica econômica. Em relação aos países liberais mais desenvolvidos, por contraste, uma barreira de proteção aduaneira é levantada com base nos princípios de protecionismo estrito. Portanto, o escopo para expandir as tecnologias econômicas mais novas é aumentada enquanto, por outro lado, esse modelo é apoiado por uma soberania política e econômica consistente.  
Sem dúvidas, tal abordagem desconforta os liberais de estados de mercado desenvolvido porque expõe suas estratégias, seus mascarados tons agressivos, contraria efetivamente sua interferência geopolítica e, no final, seu controle externo sobre esses estados que os liberais desejam transformar em colônias políticas e econômicas.
Modernização e Soberania
É necessário dizer que a tese da “modernização sem ocidentalização” é uma arma conceitual. O crescimento da mesma é extremamente desconfortável para os representantes do Ocidente. Para o Ocidente, o mais importante é instigar o esquema de dualidade na consciência pública em que reformistas e os apoiadores da mudança se colocam contra os conservadores, os teimosos apoiadores do passado. Enquanto a equação é apresentada de tal maneira, o apoio definitivo é assegurado para os “reformadores ocidentais’. Mas tudo isso é necessário para introduzir um terceiro elemento na formula, e os cenários tornam-se muito mais interessantes. Além de os “modernistas ocidentais” e os “anti-modernistas antiocidentais”, os quais, quando se confrontam, geram a vitória dos reformistas, supostamente abraçadores do “futuro”, lá aparecem os “modernistas antiocidentais” ou “conservadores revolucionários’. O próprio fato de tal força como uma plataforma independente, bloco ideológico, modelo econômico e frente cultural torna mais agravante a proporção de uma confrontação política que, em outra situação, seria banal. Os modernistas “antiocidentais” defendem reformas radicais, mudanças revolucionárias para modelos econômicos, a rotação explosiva de elites em esferas vitais de governança e a modernização em larga escala de todas as esferas da vida. Mas, nessa nota, a completa preservação de soberania geopolítica, econômica e cultural, o retorno as raízes e apoio para identidade continuam uma absoluta e não negociável condição. Para eles, ambas condições – “modernização” e “soberania” – permanecem imperativos absolutos que não devem ser comprometidos em quaisquer circunstâncias.
De fato, mesmo no mundo moderno vemos várias civilizações em que povos individuais e países continuam insistindo em preservar suas identidades apesar de todas as considerações de expediência política ou eficiência econômica. Sérvia, Iraque, Irã, Sudão, Coréia do Norte, Líbia e Cuba são exemplos. Possuem condições insuficientes para competir em autarquia, entretanto, esses regimes que carregam os esforços de enormes sacrifícios para defender suas identidades optam por uma confrontação direta e extremamente “custosa” com o Ocidente ao rejeitar seus ditados. As desvantagens de reter a autonomia podem ser facilmente superadas no caso de uma formação enorme como a Rússia, junto com alguns países amigáveis e certos estados “de muito longe’.
A questão depende apenas de determinação e esforço político. A garantia de recursos é secundária nesse caso. Permita-nos referir o seguinte exemplo: Na República Sérvia, na Bósnia, quando perguntei o que era prevenir o alcance de trégua em uma área específica, recebi uma resposta atônita de um miliciano: “Que aquela montanha, a pequena montanha, é famosa em crônicas sérvias da Idade Média. Agora ela está nas mãos de inimigos. Não há nada nela – nenhum ponto estratégico, nenhum mineral útil, sem empresas industriais – É apenas um pedaço de terra. Mas um pedaço de terra sérvio. Nós já enterramos centenas de nossos lutadores lá. Ofereceram-nos paz em troca daquela montanha condenada. Mas agora não aceitamos tal paz. Precisamos daquela montanha. Daquela inútil montanha...”
O próprio fato da história nacional e da extensão do território nacional são completamente comparáveis com os parâmetros utilitários, tecnológicos e econômicos mais sérios. Além disso, para a maioria das nações, tais valem ainda mais – vida.
A Revolução Conservadora – O Último Imperativo
“Modernização sem ocidentalização” deveria se tornar o principal slogan de um “curso novo” que deveria unir as melhores forças dos campos “conservadores” e “reformistas”. Essa nova plataforma, se cuidadosamente desenvolvida e rigorosamente implantada na consciência das massas, poderia instantaneamente limpar um grande número de pontos negros em nossas vidas políticas e econômicas. Junto a isso, a natureza subversiva de atividades dessas forças que, ou negam a necessidade de reformas (os apologistas de nostalgia e estagnação) ou negam necessidade de se submeter reformas ao imperativo cultural, civilizacional e geopolítico (os agentes da influência Ocidental) se tornará óbvia. Da mesma forma, em nossa situação crítica, ambos os grupos devem ser expulsos do estabilishment político e a iniciativa conceitual, econômica e ideológica central deve ser delegada ao novo front estabelecido de “conservadores revolucionários”.
Artigo em inglês disponível em:
https://4threvolutionarywar.wordpress.com/2016/05/06/modernization-without-westernization-alexander-dugin/

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