Figura - "Grozny" por Aleksey Belyaev-Guintovt (2004)
Por Aleksandr Dugin
Tradução por Lucas Novaes
A
Terceira Posição
No famoso artigo de
Samuel Huntington descrevendo o iminente “choque de civilizações”, Huntington
menciona uma importante formula: “modernização sem ocidentalização”. Essa
formula descreve a relação de problemas envolvendo o desenvolvimento
socioeconômico e tecnológico vivida por alguns países (em geral, aqueles do
Terceiro Mundo) que, enquanto entendiam a necessidade objetiva de desenvolver e
melhorar seus mecanismos sociais, políticos e econômicos, recusaram-se a seguir
cegamente o Ocidente, esforçando-se para colocar algumas tecnologias ocidentais
– isoladas de seu conteúdo ideológico – a serviço de seus sistema de valores
tradicionais e características nacionais, religiosas e políticas. Muitos
representantes das elites do Oriente, tendo sido educados nos países
ocidentais, retornaram aos seus países de origem com um conhecimento técnico
importante e metodologias que eles então usaram para fortalecer seus próprios
sistemas nacionais. Portanto, ao invés da aproximação entre civilizações
esperada pelos otimistas liberais, o que aconteceu foi o armamento de certos
regimes “arcaicos”, “tradicionalistas”, regimes com novas tecnologias que
tornaram o conflito civilizacional mais aguçado.
À essa análise
perspicaz, pode ser adicionada a consideração de que a maioria dos intelectuais
“ocidentalizados”, figuras culturais, e indivíduos criativos eram e são
fortemente não-conformistas, pessoas “do Oriente” contra o sistema que, ao
estudar a mentalidade do Ocidente, fortalecem suas próprias posições críticas.
Um exemplo característico de tal caminho é o de Ali Shariati, o maior teórico
da Revolução Iraniana. Shariati estudou em Paris, dominou o pensamento de Heidegger
e Guénon assim como de vários autores neomarxistas, e gradualmente chegou a
convicção de que a síntese conservadora-revolucionária entre o xiismo
revolucionário, Islão místico, Socialismo e existencialismo era necessária.
Shariati era então capaz de trazer a elite intelectual iraniana e a juventude
para a revolução, grupos esses que, em outras circunstâncias, jamais
reconheceriam seus ideais no sombrio tradicionalismo dos mulás. Esse exemplo é
especialmente importante já que estamos lidando com uma revolução bem-sucedida
que acabou em completa vitória de um regime anti-globalista, antiocidental e
conservador-revolucionário.
O mesmo caminho foi
feito por russos eslavófilos que tomaram emprestados vários modelos de
filósofos alemães (Herder, Fichte, Hegel) que iriam se tornar a base da
convicção puramente nacional russa. O mesmo é o método dos russos
neo-eurasianos que estão, de forma criativa, unindo as doutrinas
não-conformistas da “nova esquerda” e “nova direita” aos interesses da Rússia.
A
Autarquia dos Grandes Espaços
Dissecar os conceitos de
“modernização” e “Ocidentalização” é um ato de grande valor. Afinal, o Ocidente
está fazendo tudo o que pode para que ambos os termos sejam difundidos como
sinônimos na consciência das massas. De acordo com essa lógica, reforma e
mudança são possíveis apenas se elas são orientadas em favor do Ocidente e as
cópias de seu modelo. A alternativa é apresentada como “estagnação”,
“arcaísmo”, “conservadorismo”, ineficiência e falta de dinamismo. Portanto, o
Ocidente alcança seu objetivo civilizacional impondo os limites, leis e critérios
feitos pelo mesmo no resto do mundo. Essa parcialidade e egoísmo do liberalismo
em relação àqueles para quem o liberalismo é promovido como “alternativa
progressista” foi brilhantemente descrita pelo teórico gênio da economia,
Friederich List. Em seus trabalhos, List mostrou que países que seguiam o
caminho da economia de livre mercado e do liberalismo há tempos,
invariavelmente se beneficiam das imposições de um modelo similar em outros
países usando modelos alternativos. Como podemos ver, os termos “iguais” de
“livre comércio” levam, de fato, ao enriquecimento das economias de mercado
desenvolvidas e ao empobrecimento daqueles que, tardiamente, tentam seguir o
caminho do mercado. Os ricos, nesse caso, ficam mais ricos enquanto os pobres
mais pobres. Da mesma forma, para List, países tradicionalmente liberais
(primariamente os anglo-saxões) são largamente beneficiados pela imposição de
seu próprio modelo o resto do mundo, considerando que isso garante a sua
obtenção de lucros políticos e econômicos colossais.
Mas qual é a saída para
tais países não liberais que, devido a circunstâncias objetivas, são
confrontadas com competidores liberais efetivos e agressivos? Esse problema foi
especialmente agudo para a Alemanha no século XIX, o mesmo país em que Friederich
List foi chamado para ajudar. Sua resposta foi a teoria da “autarquia dos
grandes espaços”, que é um sinônimo econômico de “modernização sem
ocidentalização”. Deve ser notado que as ideias de List foram empregadas por
diferentes políticos como Walther Rathenau, Count Witte e Vladimir Lenin com
enorme sucesso.
O conceito de “autarquia
dos grandes espaços” implica que estados que não são de mercado, deixados em
condições de dura competição com os de mercado, devem trabalhar em um modelo
desenvolvimento autônomo que parcialmente produz os desenvolvimentos
tecnológicos de sistemas liberais no framework severamente restrito de uma
“união aduaneira” de larga escala. Nesse caso, “livre comércio” é limitado pela
estrutura de um bloco estratégico de estados integrando seus esforços
políticos, administrativos e econômicos com o objetivo de aumentar a dinâmica
econômica. Em relação aos países liberais mais desenvolvidos, por contraste, uma
barreira de proteção aduaneira é levantada com base nos princípios de
protecionismo estrito. Portanto, o escopo para expandir as tecnologias
econômicas mais novas é aumentada enquanto, por outro lado, esse modelo é
apoiado por uma soberania política e econômica consistente.
Sem dúvidas, tal
abordagem desconforta os liberais de estados de mercado desenvolvido porque
expõe suas estratégias, seus mascarados tons agressivos, contraria efetivamente
sua interferência geopolítica e, no final, seu controle externo sobre esses
estados que os liberais desejam transformar em colônias políticas e econômicas.
Modernização
e Soberania
É necessário dizer que a
tese da “modernização sem ocidentalização” é uma arma conceitual. O crescimento
da mesma é extremamente desconfortável para os representantes do Ocidente. Para
o Ocidente, o mais importante é instigar o esquema de dualidade na consciência
pública em que reformistas e os apoiadores da mudança se colocam contra os
conservadores, os teimosos apoiadores do passado. Enquanto a equação é
apresentada de tal maneira, o apoio definitivo é assegurado para os
“reformadores ocidentais’. Mas tudo isso é necessário para introduzir um
terceiro elemento na formula, e os cenários tornam-se muito mais interessantes.
Além de os “modernistas ocidentais” e os “anti-modernistas antiocidentais”, os
quais, quando se confrontam, geram a vitória dos reformistas, supostamente
abraçadores do “futuro”, lá aparecem os “modernistas antiocidentais” ou “conservadores
revolucionários’. O próprio fato de tal força como uma plataforma independente,
bloco ideológico, modelo econômico e frente cultural torna mais agravante a
proporção de uma confrontação política que, em outra situação, seria banal. Os
modernistas “antiocidentais” defendem reformas radicais, mudanças
revolucionárias para modelos econômicos, a rotação explosiva de elites em
esferas vitais de governança e a modernização em larga escala de todas as
esferas da vida. Mas, nessa nota, a completa preservação de soberania
geopolítica, econômica e cultural, o retorno as raízes e apoio para identidade
continuam uma absoluta e não negociável condição. Para eles, ambas condições –
“modernização” e “soberania” – permanecem imperativos absolutos que não devem ser
comprometidos em quaisquer circunstâncias.
De fato, mesmo no mundo
moderno vemos várias civilizações em que povos individuais e países continuam
insistindo em preservar suas identidades apesar de todas as considerações de
expediência política ou eficiência econômica. Sérvia, Iraque, Irã, Sudão,
Coréia do Norte, Líbia e Cuba são exemplos. Possuem condições insuficientes
para competir em autarquia, entretanto, esses regimes que carregam os esforços de
enormes sacrifícios para defender suas identidades optam por uma confrontação
direta e extremamente “custosa” com o Ocidente ao rejeitar seus ditados. As
desvantagens de reter a autonomia podem ser facilmente superadas no caso de uma
formação enorme como a Rússia, junto com alguns países amigáveis e certos estados
“de muito longe’.
A questão depende apenas
de determinação e esforço político. A garantia de recursos é secundária nesse
caso. Permita-nos referir o seguinte exemplo: Na República Sérvia, na Bósnia,
quando perguntei o que era prevenir o alcance de trégua em uma área específica,
recebi uma resposta atônita de um miliciano: “Que aquela montanha, a pequena
montanha, é famosa em crônicas sérvias da Idade Média. Agora ela está nas mãos
de inimigos. Não há nada nela – nenhum ponto estratégico, nenhum mineral útil,
sem empresas industriais – É apenas um pedaço de terra. Mas um pedaço de terra
sérvio. Nós já enterramos centenas de nossos lutadores lá. Ofereceram-nos paz
em troca daquela montanha condenada. Mas agora não aceitamos tal paz.
Precisamos daquela montanha. Daquela inútil montanha...”
O próprio fato da
história nacional e da extensão do território nacional são completamente
comparáveis com os parâmetros utilitários, tecnológicos e econômicos mais
sérios. Além disso, para a maioria das nações, tais valem ainda mais – vida.
A
Revolução Conservadora – O Último Imperativo
“Modernização sem
ocidentalização” deveria se tornar o principal slogan de um “curso novo” que
deveria unir as melhores forças dos campos “conservadores” e “reformistas”.
Essa nova plataforma, se cuidadosamente desenvolvida e rigorosamente implantada
na consciência das massas, poderia instantaneamente limpar um grande número de
pontos negros em nossas vidas políticas e econômicas. Junto a isso, a natureza
subversiva de atividades dessas forças que, ou negam a necessidade de reformas
(os apologistas de nostalgia e estagnação) ou negam necessidade de se submeter
reformas ao imperativo cultural, civilizacional e geopolítico (os agentes da
influência Ocidental) se tornará óbvia. Da mesma forma, em nossa situação
crítica, ambos os grupos devem ser expulsos do estabilishment político e a
iniciativa conceitual, econômica e ideológica central deve ser delegada ao novo
front estabelecido de “conservadores revolucionários”.
Artigo
em inglês disponível em:
https://4threvolutionarywar.wordpress.com/2016/05/06/modernization-without-westernization-alexander-dugin/
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