segunda-feira, 18 de abril de 2016

As imprecisões de Nando Moura, parte 3 - A verdade sobre as perseguições contra cristãos e outros grupos religiosos no Oriente Médio.


Foto – O presidente do Irã, Hassan Rouhani, e o Papa Francisco no recente encontro no Vaticano.
No dia 27 de janeiro de 2016, Nando Moura postou o vídeo intitulado “Papa esconde as p* para o Irã”. No vídeo em questão, o guitarrista e vocalista da banda Pandora 101, o qual na época esteve envolvido em uma polêmica com o youtuber Pirula, queixa-se do encontro que teve lugar no dia anterior entre o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e o presidente iraniano (que veio acompanhado de uma delegação de 12 pessoas, incluindo diplomatas e oficiais vindos de Teerã) por causa das perseguições que os cristãos sofrem no Oriente Médio. Nesse encontro (previsto para ter lugar em novembro, mas que foi adiado em decorrência dos atentados em Paris), que foi o primeiro entre um Papa romano e um chefe de estado iraniano desde 1999, o Papa Francisco pediu a Hassan Rouhani que trabalhasse pela paz no Oriente Médio, ressaltando o papel importante do Irã na estabilidade da região contra aquilo que o Papa chamou de “difusão do terrorismo e do tráfico de armas”. Ao final do encontro, que teve 40 minutos de duração, o presidente iraniano deu ao Papa um tapete persa feito à mão e um livro com miniaturas dentro. E o Papa, por sua vez, deu ao presidente da nação persa o medalhão de São Martinho de Tours[1] (padroeiro de Buenos Aires, sua cidade natal) e a encíclica “Laudato Se” (sobre proteção do meio ambiente), ao qual o Papa se desculpou por não ter uma versão em farsi (idioma nacional do Irã) a sua disposição, e sim em árabe e italiano.
No começo do vídeo Nando Moura diz que o Papa (o qual ele acusa de bom-mocismo excessivo e frouxidão) é complicado e que o deveria fazer com o supremo mandatário da nação persa é acertar sua cara com vários golpes de um pênis de plástico e que é de um cinismo enorme a retomada do diálogo entre o Islã e a Cristandade porque supostamente no Irã há perseguições contra cristãos, alegando que na nação persa entrar com uma Bíblia é proibido e que a pessoa que lá prega a palavra de Cristo é morta e apedrejada. A indignação dele é tamanha que parece que o Papa se encontrou recentemente no Vaticano não com o atual presidente do Irã, e sim com Hideyoshi Toyomi ou algum shogun da Dinastia Tokugawa (1603 – 1868), notáveis por suas perseguições aos cristãos nipônicos entre os séculos XVI a XIX. Ou então com Abu Bakr al-Baghdadi, o autointitulado califa do Estado Islâmico.
Mas, antes de tudo, por que falar a respeito de certas coisas que Nando Moura fala em seus vídeos? Pelo fato de ele já ter um considerável número de inscritos em seu canal (os quais já são quase 550 mil) e mostrar as imprecisões, meias verdades e inconsistências do que ele disse no vídeo em questão.
E o que será discutido aqui não são suas polêmicas com figuras como Pirula, Cauê Moura, Clarion, Felipe Neto, Kéfera, PC Siqueira, Maestro Bogs e outros, que em minha opinião são de irrelevantes para baixo. Diga-se de passagem, da mesma forma com que na questão do ativismo GLBT figuras como Marco Feliciano, Jair Bolsonaro e Silas Malafaia de um lado e de outro Jean Wyllys, Marta Suplicy e Luiz Mott são duas faces da mesma moeda, no You Tube Nando Moura e esses youtubers (os quais no plano ideológico são esquerdistas liberais em sua maioria) também são duas faces de uma mesma moeda, ideologicamente falando. Mas isso não é o que vem ao caso agora, e sim as mentiras que foram ditas a respeito do Irã e insinuações de que a nação persa hoje em dia promove perseguições religiosas contra cristãos e outras minorias religiosas.

Foto – Direita Neoconservadora e Esquerda Liberal: o Yin e o Yang[2], o Alfa e o Ômega, as duas faces de Janus[3] contrapostas entre si.
Quem de fato persegue cristãos no Oriente Médio não é o Irã, e sim o Estado Islâmico nos territórios da Síria e do Iraque que eles controlam e seus patrocinadores locais, a Arábia Saudita e as demais monarquias do Golfo Pérsico. Nesses países em questão, por lei a única religião que pode ser professada abertamente é o Islã da vertente sunita wahhabita. Haja vista que o regime saudita em janeiro executou o clérigo xiita Nimr al-Nimr e mais 48 pessoas sob acusações de suposto envolvimento com atividades terroristas. E em solo saudita não existem Igrejas cristãs. Isso ao ponto de os soldados estadunidenses estacionados na Arábia Saudita, quando resolvem praticar a fé cristã, tem de fazer isso fora do solo saudita.
Isso sem mencionar o fato de que essas monarquias são aliadas de países como os Estados Unidos e a França, os quais, por sua vez, fecham os olhos para as atrocidades desses regimes e os grupos por eles patrocinados, assim como os negócios petrolíferos: na Arábia Saudita o petróleo, em realidade, não é de propriedade do estado nacional saudita, e sim da Exxon Mobil, que é nada menos que uma das maiores corporações petrolíferas de Wall Street. É o mesmo Ocidente que vive se gabando de ser “livre e democrático” perante o mundo e que chama de ditadores sanguinários líderes como o sírio Bashar al-Assad e o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e outrora os finados Hugo Chávez, Saddam Hussein, Muammar al-Kadaffi, Slobodan Milošević[4], entre tantos outros que aqui podem ser mencionados e que não raro evocando razões humanitárias (como por exemplo, levar democracia para certos países) como pretexto para invasões militares.
Já essas perseguições de que Nando Moura se queixa não se verificam no Irã. Muito pelo contrário, no Irã, mesmo sendo um país majoritariamente Islâmico xiita, existem leis que protegem esses grupos. Segundo a Constituição da nação persa (que é considerada por muitos especialistas na área como o compêndio de leis mais completo do mundo atual), são consideradas iguais todas as pessoas independentemente de religião e etnia. Minorias religiosas como os cristãos, judeus e zoroastristas tem sua liberdade de crença assegurada pelo artigo 13 da Constituição nacional, e estas possuem seus representantes no parlamento do Irâ (Majlis[5]) e podem celebrar suas festividades específicas. O Artigo 26 também reconhece que essas minorias têm liberdade de formar partidos, associações políticas e sindicais desde que não infrinjam os princípios de independência, liberdade, unidade nacional e dos preceitos islâmicos, assim como dos fundamentos da República Islâmica Iraniana. E o Artigo 64 da mesma Constituição também prevê que os zoroastristas e os judeus elegerão um representante cada um, ao passo que os cristãos assírios e caldeus terão em conjunto um deputado e os cristãos armênios do sul e do norte votarão um representante cada um. Ao todo, no Parlamento iraniano, as minorias religiosas (cuja população total é de cerca de 200 mil, de um país que tem 77 milhões de habitantes ao todo) possuem cinco representantes.
Os zoroastristas, seguidores do zoroastrismo, a religião oficial do Irã até meados do século VII quando da conquista islâmica e a queda da dinastia Sassânida (224 – 651), são hoje, em sua totalidade, cerca de 25 mil, concentrados principalmente na capital Teerã, Kerman e Yazd. O governo lhes dedica parte de seu orçamento para ajudar na manutenção de seus lugares religiosos. Há também a serviço do Irã um considerável número de médicos, engenheiros e professores universitários que seguem a religião fundada pelo profeta Zoroastro no século VI antes de Cristo, e muitos deles lutaram do lado iraniano durante a guerra Irã-Iraque (1980 – 1988), ajudando assim na defesa do país. Os zoroastristas também possuem diversas publicações sobre assuntos religiosos e sociais, assim como um deputado no Parlamento.
Os cristãos, por sua vez, possuem três assentos no Parlamento Iraniano, sendo que dois deles são para os cristãos armênios e um para os cristãos caldeus. Durante o Natal, o próprio governo persa proporciona um serviço especial que consiste em presentear cinco mil árvores de pinhal aos cristãos. Algo igualmente digno de nota é o fato de que a seleção iraniana de futebol tem como seu atual capitão um cristão armeno, o meia Andranik Teymourian, o qual esteve presente nas copas de 2006 e 2014. Com passagens pelo futebol inglês, Teymourian se tornou o capitão da seleção iraniana após a aposentadoria de Javad Nekouman. Hoje joga pelo Saipan de Teerã.

Foto – Andranik Teymourian, o primeiro capitão não-muçulmano da seleção iraniana.
Os judeus, presentes em solo iraniano desde o século VI antes de Cristo, também possuem representação no Parlamento iraniano, com a atividade política da comunidade judaica centrando-se em seus representantes no Parlamento e no Conselho Judaico de Teerã. Também tem várias sinagogas, centros culturais, organizações juvenis, estudantis e de damas, assim como biblioteca central, auditório e mais de 20 organizações culturais e não-governamentais e postos como professores ou assistentes em universidades. E em Teerã há também uma escola especial para a língua hebraica. Numericamente falando, o Irã possui uma das maiores comunidades judaicas no Oriente Médio fora de Israel, que conta com cerca de 30 mil a 50 mil pessoas.
Mas, se essa história de que na República Islâmica do Irã há perseguições religiosas é uma grande lorota, um conto da carochinha, de onde que vem todas essas falsas histórias de que na nação persa há perseguições religiosas contra cristãos e outras minorias religiosas? Geralmente vem da grande mídia corporativa ocidental, que gosta de posar como defensora dos direitos humanos e que não admite que países como o Irã tenham verdadeira soberania nacional e utilizem seus recursos para uso próprio e não para abastecer as indústrias dos países capitalistas centrais de matérias primas baratas que não raro são vendidas a preço de banana, enquanto que os países periféricos compram a preço de ouro os produtos industrializados com alto valor agregado que não raro são feitos a partir das matérias primas que são saqueadas dos países periféricos.
Essa mídia, a serviço do grande capital transnacional, para difamar o Irã bate em teclas como as tais perseguições contra grupos como os Ba’hais (os quais em realidade não passam de seitas e que, portanto, não são consideradas como minorias religiosas. Diga-se de passagem, nem no Irã e nem em qualquer outro lugar do mundo seita é uma minoria religiosa). Particularmente, os Ba’hais recebem uma atenção especial da parte do Ocidente. Segundo documentos e testemunhos históricos, esse grupo foi criado pelo colonialismo britânico e sua sede principal está nos territórios palestinos sob ocupação de Israel. O mesmo Israel com o qual o Irã é nem um pouco amigável desde a Revolução de 1979. Documentos tanto da época Pahlavi (1925 – 1979) quanto do atual regime mostram que muitos deles servem aos serviços de inteligência sionistas. E no próprio Irã esse grupo (ao qual o aiatolá Khomeini[6] classificou como pessoas fanáticas e instrumentos a serviço dos interesses sionistas) tem agido nesses anos todos como quinta coluna a serviço de Israel, cometendo delitos contra a segurança nacional e terrorismo em solo iraniano.
E falando em Israel, Nando Moura diz também no vídeo em questão que o Irã deseja uma guerra nuclear contra Israel. Mas, se o Irã, assim como a Coréia do Norte, quer mesmo ter a bomba atômica, para começo de conversa, qual será a verdadeira finalidade? Será que é mesmo fazer uma guerra nuclear contra Israel, sendo que os efeitos colaterais dessa guerra poderiam ser extremamente nocivos para o próprio Irã, com o efeito da radiação das explosões atômicas atingindo as cidades iranianas, principalmente da região oeste do país? O Irã, assim como a Coréia do Norte, quer ter essa tecnologia em mãos pelo mesmíssimo motivo pelo qual o falecido Enéas Carneiro, o qual em vídeo anterior ele disse que foi o maior presidente que o Brasil não teve em toda sua história, queria: como um instrumento de barganha e assim poder negociar com as grandes potências em termos menos desiguais, se não em pé de igualdade, e não para sair bombardeando outros países a rodo.
Assim sendo, o fato do Papa se encontrar com o presidente do Irâ não foi nem um pouco vergonhoso. Muito pelo contrário: teria sido realmente vergonhoso se, ao invés de ter se encontrado com Hassan Rouhani, o Papa ter tido um encontro no Vaticano com Abu Bakr al-Baghdadi ou o atual rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud. Desde a Revolução de 1979, o Irã é uma nação soberana e, junto com a Rússia, tem desempenhado importante papel no combate ao Estado Islâmico na Síria. Tratar não só o Irã como também os outros regimes da região (incluindo ai até mesmo a Síria Baath[7] e os defuntos regimes de Saddam Hussein no Iraque e de Muammar al-Kadaffi na Líbia) como se fossem todos iguais a Arábia Saudita e os demais estados do Golfo Pérsico (países esses que são verdadeiros feudos particulares de suas respectivas famílias reais e que estranhamente pouco ou nada sofreram com a Primavera Árabe que teve início em 2011 e que ceifou com regimes como a Líbia de Kadaffi, a Tunísia de Ben Ali e o Egito de Hosni Mubarak) é uma grande burrice, para não dizer idiotice. Até porque, entre outras coisas, o regime iraniano, ideologicamente falando, não segue a mesma cartilha wahhabita que as petro-monarquias do Golfo Pérsico seguem.

Foto – Os vazios petrodólares sauditas ante a rica e milenar cultura persa.

Fontes:
A discriminação e transgressão dos direitos dos xiitas na Arábia Saudita. Disponível em:
De quem é o interesse em derrubar o preço do petróleo? Disponível em:
Derechos de las minorías religiosas en Irán (1)+audio (em espanhol). Disponível em:
Derechos de las minorias religiosas en Irán (2) (em espanhol). Disponível em:
Derechos de las minorías religiosas en Irán (3)+audio (em espanhol). Disponível em:
Derechos de las minorías religiosas en Irán (4) (em espanhol). Disponível em:
Derechos de las minorías religiosas en Irán (5)+audio (em espanhol). Disponível em:
Em encontro no Vaticano, presidente do Irã pede que Papa reze por ele. Disponível em:
Entrevista – a vida das minorias religiosas no Irã. Disponível em:
La gran mentira sobre Rouhaní y las estatuas romanas (em espanhol). Disponível em:
Uso ocidental do Islamismo. Disponível em:
Papa esconde as p* para o Irã. Disponível em:
Papa Francisco pede que Irã trabalhe pela paz no Oriente Médio. Disponível em:

NOTAS:

[1] Leia-se “Turs”, pois no francês a partícula ou tem valor de u.
[2] Leia-se “Yan”. No mandarim, assim como no francês, quando uma palavra termina em consoante, a última é sempre muda.
[3] Leia-se “Ianus”. No latim, assim como em idiomas como o alemão, o holandês, o húngaro, o polonês, o servo-croata, as línguas escandinavas e bálticas, o tcheco, o eslovaco e outros tantos, a partícula j tem valor de i.
[4] Leia-se “Milochevitch”, pois no servo-croata as partículas š e ć tem o mesmo valor do ch e do tch no português e no francês, respectivamente.
[5] Leia-se “Madjlis”, pois no farsi, da mesma maneira como em idiomas como o inglês, o árabe e outros, a partícula j tem valor de dj.
[6] Leia-se Rromeini, pois no persa, assim como em idiomas como o russo, o árabe e o mongol, a partícula kh (cirílico х) tem o mesmo valor do j no espanhol, do ch no alemão e no polonês e do h no inglês e no húngaro: r aspirado.
[7] Leia-se Baas, pois no árabe a partícula th tem valor de s.

2 comentários:

  1. Esse texto postei em meu perfil no Academia (o qual poucos dias depois da sequência da postagem foi marcado como suspeito) em janeiro e agora estou o repostando aqui.

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