domingo, 6 de março de 2016

O escrutínio de Lula e a parcialidade da justiça brasileira.


Foto – Luís Inácio Lula da Silva.
No dia 4 de março de 2016, Lula mais uma vez foi submetido ao escrutínio público. A polícia federal (um órgão reacionário por excelência, diga-se de passagem) deu início a 24ª fase da Operação Lava Jato, a Operação Aletheia (expressão em grego que significa “busca pela verdade”). Lula é investigado por suposto recebimento de vantagens indevidas de empreiteiras suspeitas de desvios na Petrobrás, além das acusações de supostas irregulares sobre seu tríplex no Guarujá. O prédio de Lula em São Bernardo do Campo foi revistado pela polícia federal e segundo a Folha de São Paulo, houve um mandato de busca e apreensão de condução coercitiva (quando o investigado é obrigado a depor) da parte da Polícia Federal. Lula prestou depoimento à polícia no aeroporto de Congonhas. Terminado o depoimento à polícia, ele foi até a sede nacional do Partido dos Trabalhadores, onde fez um pronunciamento.

Como resposta, Lula, através de nota publicada no site do Instituto Lula, disse que o que aconteceu com ele é uma agressão ao estado de direito, classificando a ação da polícia como arbitrária, ilegal e injustificável, assim como uma grave afronta ao Supremo Tribunal Federal. O que dizer sobre esse último ocorrido?

Primeiro de tudo, sintomático do fato de Lula e seu partido estarem colhendo o que tem plantado desde no mínimo 2002, com o compromisso que assumiu nos bastidores do poder com as classes dominantes e que gerou ainda no mesmo ano a Carta aos Brasileiros e que norteou a política sócio-econômica petista desde então, que nada mais foi que a continuidade do que Fernando Henrique Cardoso vinha fazendo desde 1995. Ou seja, continuou com o super-endividamento do estado (que em 1995 era de R$ 64 bilhões e hoje já passa dos R$ 3 trilhões), fez uma política social que não tocou nos privilégios da classe dominante brasileira, não tocou na estrutura de poder desde 1964 vigente na sociedade brasileira baseada no tripé latifúndio exportador, capital multinacional e burguesia industrial vende-pátria, manteve o tripé econômico da era FHC baseado em superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante, investiu muito mais no agronegócio que na agricultura familiar, entre tantas coisas que aqui podem ser listadas. Em minha opinião, se tem algo pelo qual Lula e o PT devem de fato ser levados a juízo público é a respeito desse compromisso de classe que Lula assumiu antes mesmo de ser eleito. Como também as relações de Lula com a cúpula dos militares em seus primeiros anos de carreira política, incluindo o general Golbery do Couto Silva, o qual o teria patrocinado como uma forma de criar um contraponto a Leonel Brizola dentro da esquerda brasileira. O que poderia muito bem ser feito em uma Comissão da Verdade. Fora isso, eu não vejo mais nenhum outro motivo concreto pelo qual Lula e seu bando devem ir a juízo público.

E sintomático também dos duplos padrões da parte do juiz Sérgio Moro e sua equipe. Sérgio Moro (que vem de uma família com grandes ligações com a ala azul e amarela do petucanato[1]), Newton Ishii (o japonês da PF, o qual em 2003 foi preso da mesma instituição por corrupção e por integrar uma quadrilha de contrabandistas) e sua equipe fazem parte daquilo que eu chamo de a quinta coluna brasileira, junto com políticos como Jair Bolsonaro, José Serra, Ronaldo Caiado, Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e tantos outros. Ou seja, os vende-pátrias que estão fora do governo e a ele fazem oposição ao mesmo nas ruas e na mídia (tanto impressa quanto televisiva), enquanto que a classe dominante brasileira e suas distintas frações para a qual os militares, Sarney, Collor, Itamar e FHC governaram e pela qual Lula e o PT governam desde 2003, que se reúne em organizações patronais como a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) e FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e que tem sido o poder por trás do trono na política brasileira desde 1964, é a sexta coluna[2].



Foto – Sérgio Moro e suas ligações familiares com a ala azul e amarela do petucanato.

Esse episódio envolvendo o ex-presidente Lula (figura essa da qual não tenho grande simpatia, a bem da verdade) está nos mostrando claramente o que a Operação Lava Jato realmente quer. Não está realmente interessada em fazer um real combate à corrupção, e sim prejudicar Lula e o PT (constatação essa que o jurista Celso Bandeira de Mello fez em sua entrevista à edição especial da revista Caros Amigos sobre a Operação Lava Jato). Ou seja, sua real intenção é política. Pois incriminando Lula, ele estará com sua ficha suja, e assim o político pernambucano estará inapto para disputar o pleito presidencial de 2018 (do qual caso venha a disputar bem provavelmente vencerá). Além de queimar com sua imagem perante o povo brasileiro através de uma grande campanha de desgaste.

Se Moro e sua trupe querem realmente combater a corrupção, por que não investigaram até hoje, por exemplo, a participação de políticos não-petistas como Aécio Neves, José Serra, Geraldo Alckmin e até mesmo Jair Bolsonaro na lista de Furnas? E se os tais imóveis de Lula estão supostamente em situação irregular, porque não investigar também, por exemplo, o aeroporto particular de Aécio Neves em Cláudio e o apartamento de Fernando Henrique Cardoso em Paris avaliado em R$ 11 milhões, que devem ter tantas irregulares quanto os imóveis de Lula? Porque também não investigam, por exemplo, o trensalão tucano em São Paulo e o meio quilo de pasta de cocaína encontrado na fazenda de seu amigo Zezé Perrela? Mas, pelo que estamos vendo, Moro e sua trupe tem olhos apenas para Lula e os petistas. Ou seja, se Lula tem que ser submetido a escrutínio público devido a esses imóveis por estarem supostamente em situação irregular, que Aécio, FHC e outros políticos de outras agremiações políticas também sejam submetidos ao mesmo.


Foto - Mercado imobiliário suspeito brasileiro.
O que Sérgio Moro e sua trupe estão fazendo aqui no Brasil não um verdadeiro combate à corrupção, e sim perseguição político travestida de combate à corrupção, com essa história de combate à corrupção servindo de cortina de fumaça para os reais objetivos do juiz paranaense e sua trupe. E o pior de tudo é ver o povão o tratando como um herói, o que ele está muito longe de ser. No tocante ao endeusamento feito pela grande mídia, vejo Moro como nada menos que o equivalente tupiniquim de Alberto Nisman, o juiz argentino que morreu em circunstâncias misteriosas em janeiro do ano passado. Assim como a grande mídia brasileira hoje em dia endeusa Sérgio Moro, a grande mídia argentina (principalmente os oligopólios El Clarín e La Nación, que foram atingidos em cheio pela Ley de Medios promulgada durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner) fazia o mesmo com Alberto Nisman, o qual desde 2004 investigava os casos das explosões que levaram abaixo a embaixada israelense em 1992 e o do prédio da AMIA (Associação Mútua Israelense-Argentina) em 1994. Ambas tiveram lugar em Buenos Aires, capital argentina, uma das principais concentrações judaicas da América Latina.

Nisman insistia nessa história ridícula de que o Irã e/ou o Hezbollah foi responsável pelos dois incidentes que vitimaram um considerável número de pessoas. Entretanto, nunca apresentou prova concreta alguma de que tenha havido algum iraniano envolvido nesses incidentes (conto esse que o atual presidente argentino, o sionista fanático Mauricio Macri, está exumando, como forma de criar tensões entre os dois países e justificar um estreitamento de relações com os Estados Unidos e Israel, países esses com os quais o Irã desde a Revolução de 1979 e a consequente derrubada da monarquia pró-Ocidente tem tido relações nada amigáveis), assim como o fato de que a ex-presidente Cristina Kirchner e o ex-chanceler Hector Timerman estariam blindando por interesses econômicos os cidadãos persas supostamente envolvidos nesses atentados. Sua morte certamente foi uma operação de falsa bandeira (operações encobertas feitas por um grupo, indivíduo ou governo em que depois outro é culpado por isso, com intenções de se tirar proveito de suas consequências), tal como foi, por exemplo, os atentados em Paris contra o Charlie Hebdo em janeiro de 2015 e contra a discoteca Le Bataclan em novembro do mesmo ano, a morte do político oposicionista Boris Nemtsov na Rússia também no passado e na história do Brasil o atentado da rua Toneleros em 1954 e o atentado ao Riocentro em 1980. Acusações de que a ex-presidente esteve por trás de sua morte choveram na grande mídia, quando certamente os responsáveis por sua morte foram a CIA e/ou o Mossad.


Foto – Alberto Nisman, o equivalente argentino de Sérgio Moro.
O que se está fazendo aqui no Brasil com a Operação Lava Jato é a mesma coisa que na Itália foi feita na década retrasada com a Operação Mãos Limpas (em italiano Mani Pulite). Essa Operação Policial, da qual o próprio Sérgio Moro escreveu em 2004 um artigo de sete páginas a elogiando, teve lugar entre 1992 a 1994 e investigou 6 mil pessoas e prendeu quase 3 mil. Entretanto, para a Itália ela foi economicamente um grande desastre. Até então um país próspero e rico do sul da Europa (tanto que em 1990 sediou a Copa do Mundo), a Itália acabou perdendo a pujança econômica de antes, pois apenas empresas nacionais foram atingidas por essa Operação, ao passo que empresas multinacionais passaram ilesas. E como todos nós sabemos uma empresa multinacional, quando vai a um país periférico da engrenagem capitalista mundial, não está nem um pouco interessada em desenvolvê-lo e tirá-lo de sua situação de subalternidade nesse mesmo sistema. Pelo contrário, o único interesse da mesma nisso é lucrar o máximo que puder e depois enviar o máximo de dinheiro possível para sua matriz, agindo como se fosse um parasita sedento pelo sangue do povo do país em questão (por isso que aqui no Brasil Jango queria controlar as remessas de lucros dessas empresas através da lei 4131, de três de setembro de 1962).

Hoje em dia, vemos a Itália sendo um dos países da periferia da União Européia (junto com Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia) que são submetidos aos mandos e desmandos da Troïka (comissão composta por Comissão Européia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), incluindo as famigeradas políticas de austeridade (que consistem em apertar a cinta na barriga do povo ao mesmo tempo em que garante os lucros astronômicos de banqueiros e outras figuras ligadas ao sistema financeiro internacional, mesmo em tempos de crise e mesmo que para isso o povo mais humilde tenha que perder direitos e passar fome e inanição). Politicamente, foi igualmente desastrosa para o país, na medida em que enfraqueceu severamente as principais forças políticas do país e abriu o caminho para que Silvio Berlusconi se tornasse o poderoso chefão da nação peninsular do sul da Europa, o que foi durante 17 longos anos (entre 1994 a 2011).

Além disso, a Operação Mãos Limpas não acabou com a corrupção na Itália. Pelo contrário, ela continuou do mesmo jeito e até hoje flagela o país. Analogicamente, aqui no Brasil, quando a Operação Lava Jato terminar a corrupção também não chegará ao fim. No máximo só acabará com a corrupção petista. A corrupção em outros partidos, incluindo o tucanato do qual Moro é ligado, continuará de vento em popa. Com a diferença que, diferente da corrupção petista, essa corrupção não receberá o mesmo escrutínio da grande mídia que endeusa Moro e a Operação Lava Jato. Além do que já foi mencionado, a midiatizada Operação Lava Jato pouco ou nada investigou multinacionais, ao mesmo tempo em que castigou fortemente as empreiteiras nacionais. Sendo que as multinacionais com certeza são tão ou mais corruptas quanto. E ai eu pergunto: é isso o que queremos? que economicamente o Brasil se transforme em uma grande Itália continental? Isso eu não quero de forma alguma para o meu país.

E esse incidente envolvendo Lula veio em momento muito oportuno, pois está desviando a atenção do povo brasileiro quanto ao PL 131, de autoria de José Serra, senador tucano por São Paulo. Esse projeto prevê a retirada da exclusividade da Petrobrás na exploração do pré-sal. Assim sendo, terá que dividir essa exploração com empresas como a Chevron, a Shell e a British Petroleum. Assim Roberto Requião definiu essa situação envolvendo a Petrobrás: “mantê-la apenas como operadora é como entregar a sua casa e deixar sua mãe como doméstica, cozinheira ou limpadora”.


Foto – A parcialidade da justiça brasileira.

Fontes:
A sexta coluna. Disponível em:
As raízes intelectuais do consórcio petucano. Disponível em:
Através do regime Macri o sionismo quer começar um novo conflito com o Irã. Disponível em:
Brasil: crise financeira ou fiscal? Disponível em:
Caso AMIA Argentina: a verdade sobre a morte do promotor Nisman. Disponível em:
Coluna do Professor Tim sobre o petucanismo – Timtim por TimTim. Disponível em:
Considerações sobre a Operação Mani Pulite (Mãos Limpas). Disponível em:
Especial Caros Amigos. Lava Jato: O labirinto da Operação. Nº 78. São Paulo: Casa Amarela, 2015. Páginas 24-29.
Instituto Lula: arbitrária, ação da Lava Jato visa a constranger presidente. Disponível em:
“Japonês da Lava Jato” que virou piada na Internet já foi preso pela própria PF. Disponível em:
Lista de Furnas. Disponível em:
“Me senti um prisioneiro”, diz Lula sobre condução coercitiva em São Paulo. Disponível em:
Modelo petucano. Disponível em:
Objetivo da Lava Jato é promover “limpeza ideológica” anti-esquerda. Disponível em:
PT incentivado e apoiado pelo general Golbery – a esquerda que a direita gosta. Disponível em:
Violência contra Lula afronta o país e o estado de direito. Disponível em:
Requião: entregar o petróleo é entregar a mãe! Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QgzaKfUTGRc


NOTAS:


[1] Petucanato/Petucanismo é um termo cunhado pelo colunista da Revista Caros Amigos Gilberto Felisberto Vasconcellos (e depois utilizado por outros como Nildo Ouriques e Adriano Benayon) para se referir a situação política que o Brasil vive desde 1995 com a alternância de poder entre o PT e o PSDB, dois partidos de programa de governo praticamente igual baseados no modelo neoliberal (incluindo privatizações, terceirização e precarização do Estado), com a diferença que o PT têm um política um pouco mais direcionada para o lado social que o PSDB e um afinamento com as classes dominantes brasileiras um pouco menor que o tucanato.

[2] Segundo o pensador político russo Aleksander Dugin, na política russa, a quinta coluna é composta pela oposição liberal pró-Ocidente que consiste de oligarcas, políticos, artistas e pessoas da mídia que estiveram na década de 1990 no centro da classe política russa (incluindo o falecido Boris Nemtsov), mas que entraram em desgraça depois que Putin assumiu o poder em 2000, enquanto que a sexta coluna consiste dos políticos, oligarcas e burocratas pró-Ocidente em torno de Putin, que tal como a quinta coluna também é entulho da era Yeltsin e que é tão ou mais vendida ao Ocidente quanto à quinta coluna, mas que não é tão abertamente hostil ao presidente Putin. Resumindo a ópera, a quinta coluna consiste dos opositores e sabotadores a um governo nacionalista que estão fora do palácio, mas dentro do país, ao passo que a sexta coluna consiste dos opositores e sabotadores que estão dentro ou no entorno do mesmo palácio. As quatro primeiras colunas, por sua vez, seriam a oposição a esse mesmo governo só que no exílio, como é o caso, por exemplo, das comunidades de emigrados de países como Cuba, Venezuela, Equador e Bolívia que fazem oposição aos governos desses países desde Miami.

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