quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Escola sem Partido - do que se trata? Parte 4




Foto – Slogan do Escola sem Partido.
No dia 31 de julho de 2016 várias manifestações tiveram lugar em vários pontos do Brasil, tanto a favor quanto contra a volta de Dilma ao Palácio do Planalto. E, como era de se esperar, mais uma vez a turba da direita raivosa, do alto de sua típica tacanhice, veio pedir “fora Dilma” e fazer suas loas ao juiz Moro e a República de Curitiba. Nessas manifestações também houve aqueles que pediam a implantação do Escola sem Partido, entre elas uma manifestante de Porto Alegre que carregou papéis com os dizeres “Escola sem Partido já” e “Professor não é educador”. A quarta parte de nossa série de artigos sobre o Escola sem Partido falará a respeito de mais uma frente onde se manifesta a hipocrisia dos partidários do Escola sem Partido e dos coxinhas de modo geral, desta vez relacionada à questão do judiciário e da Operação Lava Jato (operação essa que recentemente foi denunciada pelo ex-presidente Lula na Comissão de direitos humanos da ONU, o qual alegou que as apurações tem sido feitas com “clara falta de imparcialidade”).
Da mesma forma com que até hoje nunca vi nenhum dos partidários do Escola sem Partido pedir isenção ideológica da parte da grande mídia e muito menos a aprovação do PL 5921/2001 (já que alguns de seus partidários usam argumentos similares às dos partidários da lei proposta por Luís Carlos Hauly em 2001 para justificar a necessidade de sua implantação), também nunca os vi pedir isenção ideológica da parte da República de Curitiba (vulgo República do Galeão 2.0) e de seu capitão-mor, o juiz Sérgio Moro, nas investigações da Operação Lava Jato. Operação essa que, depois de inúmeras fases, não está se mostrando um real combate ao problema da corrupção na política brasileira como os coxinhas pensam, e sim um conluio midiático-judicial-policial que executa uma operação de caráter político cujo objetivo primordial é inviabilizar a candidatura de Lula para o pleito presidencial de 2018 e o prender (além de entregar o pré-sal e a Petrobrás às grandes petroleiras internacionais). O combate à corrupção, pelo que as ações do juiz paranaense têm demonstrado, não passa de uma cortina de fumaça, um subterfúgio para esconder à população seus reais objetivos com a Operação Lava Jato.
Roberto Requião pontuou em sua entrevista recente ao Diário do Centro do Mundo que a seletividade da Operação Lava Jato se deve à formação dos juízes que dela fazem parte, os quais ainda carregam aquela mentalidade reacionária oriunda da Guerra Fria e do golpe civil-militar de 1964. Isso ao ponto deles verem qualquer sujeito progressista como uma ameaça (ainda que o progressismo do sujeito em questão seja algo bem limitado e que ofereça pouca ou nenhuma ameaça efetiva a seu status quo). Bem diferente do que muitos incautos pensam (em especial os coxinhas da classe média para cima alienados pelo veneno que a grande mídia vende e que pensam que o juiz Sérgio Moro é um herói do Brasil), o tribunal, tal qual a mídia de massa, também tem partido, como Nildo Ouriques pontuou em uma de suas falas no seminário “Crise e Democracia”, que aconteceu na UFBA (Universidade Federal da Bahia) em oito de abril de 2016.

Foto – Manifestação em Porto Alegre do dia 31 de julho de 2016.
E qual é o partido dos tribunais? Se há algo que a Operação Lava Jato escancarou a todos nós (principalmente aos brasileiros que não vivem do senso comum que gente como Raquel Sheherazade, Marco Antônio Villa, Miriam Leitão, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor e outros vendem) é que o tribunal, além de partidário, é um órgão notadamente reacionário e que zela acima de tudo pelos interesses da classe dominante da qual gente como Sérgio Moro são representantes.  No que ajuda a explicar o motivo pelo qual os integrantes da República de Curitiba nutrem uma simpatia muito maior por partidos como o PSDB e um ranço enorme para cima de partidos como o PT, pois enquanto o primeiro é um partido de caráter elitista e burguês por excelência, o segundo, a despeito de ter nesses anos todos governado muito mais para as classes dominantes que para as classes subalternas e ter feito uma política social que não mexeu em seus privilégios, é um partido de massas e com todo um histórico de lutas ligadas às classes menos favorecidas. Dessa forma, essa classe e suas distintas frações sentem-se muito mais a vontade com o tucanato no poder que com Lula e sua turma, já que os primeiros fazem parte do seu círculo social e os segundos não. Darcy Ribeiro, em entrevista concedida ao programa Roda Viva concedida em 20 de junho de 1988, classificou a classe dominante brasileira com adjetivos tais como azeda, razinza, medíocre e cobiçosa e afirmou ainda que ela é a grande responsável pelo atraso brasileiro em relação às grandes potências. Mesmo passados 127 anos da lei Áurea, tal classe ainda tem um pendor escravocrata que remonta aos tempos coloniais, além de seu histórico entreguismo.
Algo igualmente digno de nota são os salários nababescos que esses juízes recebem mensalmente: segundo matéria do jornal Gazeta do Povo, em dezembro do ano passado o salário médio dos juízes paranaenses foi de R$ 103,6 mil. E, de acordo com o que o deputado petista carioca Wadih Damous disse em um pronunciamento no dia 28 de agosto de 2015, o juiz Moro ganha por mês cerca de R$ 77 mil e que, portanto a limpeza do Brasil deveria começar pelos salários altíssimos e mordomias que essa gente recebe. E isso ao mesmo tempo em que um professor da rede pública não ganha nem R$ 2.500,00 (ou seja, uma quantia bem abaixo do salário mínimo necessário para sustentar uma família de quatro pessoas, calculado pelo DIEESE[1] em R$ 3.942,24) e de brinde ainda tem que lidar com as péssimas condições de trabalho aos quais são submetidos, entre eles escolas caindo aos pedaços, alunos extremamente indisciplinados e periódicas demissões de seus cargos. Serão justamente esses juízes e promotores, tão ou mais reacionários quanto Sérgio Moro que, caso propostas como a de Marcel Van Hattem venham a ser aprovadas e implantadas, julgarão as denúncias de alunos enviadas aos órgãos competentes e fatalmente ao mesmo em que punirão com todo o rigor da lei os professores que fizerem pregação ideológica de esquerda, farão vistas grossas aos professores que fizerem pregação ideológica de direita (certamente sob o argumento de que “isso não vêm ao caso”). Dois pesos, duas medidas.

Foto – Sérgio Moro ao lado do político tucano paulista João Dória Júnior.
Outra prova latente do partidarismo do juiz de Maringá que é o fato de que ele periodicamente faz palestras para tucanos ilustres, entre eles João Dória Júnior, o provável candidato do PSDB para a eleição municipal da cidade de São Paulo desse ano. E, como a própria Operação Lava Jato se mostrou, mesmo com políticos tucanos tais como Aécio Neves sendo citados em várias delações, nunca os investigou. Vale aqui citar também o fato de que no dia 4 de agosto Moro irá participar de uma audiência pública na comissão especial de combate à corrupção da Câmara, bem no mesmo dia em que a Comissão Especial de Impeachment no Senado votará a saída definitiva de Dilma Rousseff. E o que ele e Deltan Dallagnol[2] (que no dia 9 comparecerá à Comissão Especial da Câmara, bem no mesmo dia em que está marcada a votação prévia do impeachment no plenário do Senado) querem com isso? É óbvio que eles querem influenciar o resultado da votação em favor da impugnação de Dilma Rousseff. Ou seja, querem botar mais lenha na fogueira do caso. Portanto, eles estão agindo da forma mais partidária possível, tanto quanto o professor de esquerda que periodicamente faz sua pregação ideológica em sala de aula, mas com o sinal invertido. Tal como agiram, por exemplo, no episódio da condução coercitiva de Lula no dia 4 de março para que ele prestasse depoimento (constrangimento esse em nada diferente daqueles que a República do Galeão submeteu Getúlio Vargas e sua família logo após o ataque de falsa bandeira da Rua Tonelero e que agiu de forma tão ou mais partidária quanto a República de Curitiba hoje) e quando, de forma ilegal, quebrou o sigilo telefônico das conversas telefônicas entre Dilma e Lula logo após o anúncio de que o ex-presidente seria nomeado para o cargo de ministro da Casa Civil.
E essa não é a primeira vez na história que o aparato judicial foi utilizado para perpetrar um golpe de Estado: golpes similares aconteceram em 2009 em Honduras e em 2012 no Paraguai, os quais derrubaram Manuel Zelaya e Fernando Lugo, respectivamente. Recentemente o ex-presidente turco Recep[3] Erdoǧan, o qual foi alvo de uma tentativa de golpe de estado, disse que “a Turquia não é um país da América Latina... eu estou me referindo àqueles que tentam derrubar o governo e voltam a seus quartéis”, fazendo referência aos velhos golpes de estado em países latino-americanos executados por militares reacionários. Pelo visto essa fala de Erdoǧan nos sugere que ele está por fora do fato de que na América Latina esse tipo de golpe está saindo de moda. Agora a nova moda são golpes de estado executados não mais por militares e tanques nas ruas, e sim através de manobras palacianas perpetradas por juízes e parlamentares, tão ou mais reacionários quanto suas contrapartes de quartel. Mas que, tal qual acontecia com os golpes militares de outrora, também são amparados e feitos em conluio com a mídia de massa que, agindo da forma mais descaradamente partidária possível, promove uma guerra de informação que desgasta e arruína a imagem do governo em questão diante da população (expediente esse que Lima Barreto, ainda na década de 1900, mencionou em algumas passagens de Recordações do Escrivão Isaías Caminhão).
Mas enfim, por que será que a direita raivosa de modo geral pensa que a pregação do professor de esquerda nas salas das escolas e universidades tem direcionamento ideológico, enquanto que o mesmo não se verifica com as ações de juízes como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol? Em outras palavras, cobram como se fossem uns leões isenção ideológica dos primeiros, mas não fazem o mesmo com os segundos? Talvez porque eles não queiram mexer com quem tem muito mais poder que eles, e assim acabam usando os professores de esquerda (tanto da rede pública quanto da rede privada) de bode expiatório dos problemas que flagelam a educação brasileira. Segundo porque os partidários do Escola sem Partido, de modo geral, se mostram favoráveis às ações da República de Curitiba. E, enquanto Moro e sua equipe batem apenas no PT e seus aliados, para eles está ótimo. Talvez, pedindo isenção ideológica da parte da República de Curitiba eles poderiam se dar mal, muito mal. E isso para não falar do fato de que nunca vi nenhum deles cobrar que a República de Curitiba investigue, por exemplo, as falcatruas das privatizações do governo FHC (algumas das quais apuradas por Amaury Ribeiro Júnior no livro “A Privataria Tucana”), ou mesmo os grandes banqueiros e rentistas do país, que fazem fortuna com o super-endividamento do estado brasileiro através de expedientes como especular em cima dos títulos das dívidas interna e externa, muito menos uma auditoria dessa mesma dívida como a que foi feita no Equador em 2007 (esse tipo de postura talvez se dê devido à lógica advinda do pensamento de John Locke mencionada na terceira parte, onde é despótico todo governo que atenta contra a liberdade dos homens de negócio). Perto dessa gente, os políticos e empresários investigados pela República de Curitiba não passam de trombadinhas.

Foto – O juiz Sérgio Moro e suas vinculações midiático-partidárias.
Fontes:
“A Turquia não é um país da América Latina para ter golpe de Estado”. Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/a-turquia-nao-e-um-pais-da-america-latina-para-ter-golpe-de-estado.html
A Privataria Tucana. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-9mflDtyue0
Darcy Ribeiro, sobre a elite brasileira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SX5O-IAyO38
Deputado Wadih Damous faz críticas ao juiz Sérgio Moro por recebimento de salário acima do teto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wn2Gam6KQxM
Jornal português chama Moro de golpista e partidário. Disponível em: http://plantaobrasil.net/news.asp?nID=93446
Juiz Moro: quem sai aos seus não degenera. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2015/01/20/juiz-moro-quem-sai-aos-seus-nao-degenera
Moreira: a mídia e a justiça. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VFPJvpzn6P4
Moro jura que não é tucano, mas só faz palestra para tucano. Por quê? Disponível em: http://www.esmaelmorais.com.br/2016/03/moro-jura-que-nao-e-tucano-mas-so-faz-palestra-pra-tucano-por-que/
Moro vai ao Congresso durante votação de impeachment. Disponível em: http://nossapolitica.net/2016/07/moro-votacao-impeachment/
Não há crise econômica para juízes e desembargadores: meritíssimos ganham aumento de 41% no salário. Disponível em: http://www.ocafezinho.com/2016/07/21/nao-ha-crise-economica-para-juizes-e-desembargadores-meritissimos-ganham-aumento-de-41-no-salario/
Nildo Ouriques – Operação Lava Jato. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1IfLkKvPGYg
Nildo Ouriques – os três níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xbgVmPeVn08
Roberto Requião – o neo-anticomunismo neo-conviente às velhas elites. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XtB-Txf-LcI
Salário mínimo nominal e necessário. Disponível em: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html
NOTAS:

[1] Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.
[2] Procurador do Ministério Público Federal e integrante da força tarefa da Operação Lava Jato.
[3] Leia-se “Redjep”, pois no turco a partícula c tem valor de dj.

Nenhum comentário:

Postar um comentário