segunda-feira, 2 de maio de 2016

Armamento civil - pauta da direita ou da esquerda?


Figura 1 - Integrantes do grupo 'Panteras Negras" em protesto na capital americana contra a proibição do livre porte de armas.

Por Lucas Novaes

Um dos debates políticos reacendidos nos últimos anos está relacionado à questão da legalização do porte e posse de armas para cidadãos “comuns” (isto é, aqueles que não as utilizam como ferramenta essencial para a realização do seu trabalho). Afinal, deveríamos ter acesso às armas de fogo ou elas devem ser monopólio das forças do estado? Essa questão tem sido levantada por alguns parlamentares, gerando a mobilização de certos setores do congresso brasileiro. Nas eleições presidenciais de 2014, apenas dois dos candidatos declararam-se a favor do direito ao porte de armas. Foram eles Levy Fidelix (do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro) e Rui Costa Pimenta (do Partido da Causa Operária): dois nomes diametralmente opostos no espectro político (um de direita e o outro de esquerda).

O reavivamento dessa discussão vem com o intuito de fazer “justiça” ao chamado “referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições” ocorrido em 2005, no qual mais de 59 milhões de brasileiros manifestaram sua rejeição ao impedimento na comercialização, mas que na prática, não tiveram seus desejos atendidos. O referendo mobilizou diversos partidos políticos e grupos midiáticos e colocou, de um lado, partidos como o PT e o PSDB, a Rede Globo e, do outro, o PSTU e colunistas da Revista Veja, tais como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Percebe-se, portanto, que não há uma posição previsível se formos nos pautar na auto intitulação dentro do espectro político tradicional, especialmente se formos compará-la com temas muito mais polarizados como é o caso da legalização do aborto e do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.

Na situação política atual do Brasil, não há como negar que os parlamentares mais atuantes na defesa do armamento civil são parte da nossa chamada “direita”. Mas essa direita não é a oposição tradicional ao Partido dos Trabalhadores, representeada pelos tucanos mais populares do PSDB e grandes setores midiáticos. Os parlamentares favoráveis à legalização estão no campo mais “radical”, ligados a Bancada da Bala (família Bolsonaro sendo seu maior expoente) e ruralistas que desejam ter o porte de armas legalizado pelo estado para que possam atacar os movimentos sociais dos sem-terra quando estes invadirem suas terras.


Figura 2 - Típica propaganda direitista contra o desarmamento.

O desprezo, tanto dos intelectuais de esquerda como da grande mídia monopolista, pela ideia de pessoas comuns pegando em armas é uma característica cultural do liberalismo pacifista que acredita que um governo moderado é capaz de suprir as necessidades do povo e, por questão de ordem, deve possuir o monopólio da força. Esse pensamento de parte significativa da esquerda é até compreensível considerando que a narrativa dos pró-armamentistas mais famosos está recheada de ideias que visam o “fortalecimento do cidadão de bem contra os bandidos vagabundos”. Nos Estados Unidos, por exemplo, os republicanos (representantes do conservadorismo nos EUA) são os maiores promotores do armamento de sua população e, ao mesmo tempo, também defendem ideais econômicas elitistas desejadas pelas grandes empresas. A posse de armas nos EUA está bastante concentrada dentro de uma demografia limitada da população norte-americana: homens brancos conservadores. Os brancos de esquerda não possuem grande interesse no armamento pois são moderados e confiam no estado. As minorias étnicas, por sua vez, possuem maiores dificuldades em ter acesso às armas por fatores econômicos e sociais. Presenciando essa situação, os democratas (esquerda americana), ao invés de usufruir de sua influência no país para armar outros grupos demográficos (mulheres, negros, latinos, pobres etc.) acaba por defender uma maior regulação, não sendo muito diferente da esquerda europeia nesse sentido (e a esquerda brasileira principal age da mesma forma que seus mentores ideológicos ocidentais). Esse é um dos poucos conflitos eleitorais e judiciais onde os republicanos se posicionam na contramão das grandes corporações.

Essa narrativa conservadora em favor do armamento do “cidadão de bem contra os bandidos” é apenas uma das formas de enxergar a discussão da posse de armas. Uma outra forma de vê-la, desta vez sob um prisma esquerdista, é realizar reflexões com base na seguinte questão: você confia no estado burguês e capitalista o monopólio do uso da força? Somos cientes quanto ao fato de que não estamos vivendo sob um regime socialista e igualitário. Nossos governantes servem aos interesses das elites nacionais e, principalmente, internacionais. Nenhuma delas deseja ver massas trabalhadoras revoltadas e armadas para lutar contra a submissão de seu próprio país aos preceitos do imperialismo. Quanto mais enfraquecido e impotente é o povo, melhor para a ordem capitalista vigente. É exatamente por causa desse fato que existe um raro momento de concordância ideológica entre os principais representantes do nosso governo, da nossa oposição e da nossa mídia corporativa. Todos eles foram cooptados para agir dentro dos limites impostos pela democracia liberal.

Mas nem todos na esquerda concordam com esse consentimento. A citação abaixo (disponível no site oficial do partido) demonstra o PSTU em um de seus pouco frequentes momentos de lucidez:

Não se trata aqui de defender a indefensável “bancada da bala” ou a indústria do armamento. Mas trata-se de entrar a fundo no debate de quais devem ser as posições da esquerda diante desta polêmica. Questionemos o seguinte: A violência deve ser um monopólio e um privilégio do Estado opressor?

Os jagunços e pistoleiros que matam indígenas usam armas legalizadas? Os grupos de extermínio, muitas vezes compostos por policiais, usam armas legalizadas? As chacinas contra os oprimidos são feitas com armas registradas? A legalidade ou não do porte de armas pode impedir ou sequer dificultar tais chacinas? A resposta é negativa.

Diante disto perguntamos: Os trabalhadores e oprimidos têm ou não o direito à autodefesa? Os Panteras Negras tinham ou não o direito à sua autodefesa diante da Ku Klux Klan? Ou deveríamos dizer que não, que deviam confiar no Estado e na polícia racista norte-americano? Os negros têm sim o direito à sua auto-organização e autodefesa contra os ataques racistas. ”

O Partido da Causa Operária é outro que demonstra uma visão “alternativa” sobre o assunto:


Figura 3 - Na contramão da esquerda moderada e pacifista, Rui Costa Pimenta defende o armamento do povo

CONCLUSÃO:
A defesa de uma política de armamento da população que só beneficie uma parcela restrita do povo é uma característica da direita neoconservadora. Do contrário, é uma característica populista e revolucionária.

REFERÊNCIAS:
http://causaoperaria.org.br/filie-se-ao-pco-o-partido-que-defende-o-armamento-do-povo/
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/08/rui-pimenta-defende-populacao-armada-para-combater-o-crime.html
http://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/04/28/2005-BRASILEIROS-ESCOLHEM-O-NAO-NO-REFERENDO-DO-DESARMAMENTO.htm
http://spotniks.com/as-7-vezes-que-voce-nao-teve-vergonha-de-concordar-com-o-pco/
http://www.pstu.org.br/node/21771

https://www.thetrace.org/2015/11/gun-control-race-history-saul-cornell/

Um comentário:

  1. Muito interessante essa abordagem. Eu mesmo não sabia desse posicionamento do PSTU e do PCO. E senti aqui um espírito parecido com o do longo texto que escrevi sobre o assunto na época do Referendo, há mais de 10 anos.
    http://www.xr.pro.br/Ensaios/Tiro.html

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