quinta-feira, 14 de abril de 2016

Diga não às Arenas (vulgo Estádios Gourmet).


Foto – Protesto em Fortaleza contra o futebol moderno.

Arena Pantanal, Arena Corinthians, Arena Amazônia, Arena da Baixada, Arena Fonte Nova, Arena Engenhão, Arena Allianz, Arena isso, Arena aquilo, Arena não sei o que... Espera ai, que negócio é esse de Arena? Hoje em dia está na moda os estádios de futebol do Brasil adotar o nome de Arena. Vários já fizeram isso, ao ponto de muitos deles serem reconstruídos praticamente que do zero.
Mas, em essência, o que são essas Arenas? Nada mais, nada menos que versões gourmet dos bons e velhos estádios de futebol. E o que seriam essas versões gourmet dos bons e velhos estádios de futebol? Nada menos que um eufemismo para estádios de rico, onde o preço dos ingressos muitas vezes é proibitivo para as massas. Não raro, o preço das cadeiras mais baratas custa de R$ 200,00 para cima. Historicamente, existia algo que distinguia o futebol de outros esportes, em especial o automobilismo (que é um esporte elitista por excelência), era o seu caráter e apelo popular, e isso é o que toda essa onda de gourmetização dos estádios está destruindo. O torcedor mais humilde, com o preço dos ingressos mais elevados (além da demolição das gerais dos estádios), já está sendo afastado das arquibancadas, principalmente dos grandes centros (e a isso se agrava o alto custo de vida do país). Agora, para que a pá de cal seja colocada, a pergunta que fica é: qual será o próximo passo desses elementos que promovem a gourmetização dos estádios? Não é absurdo pensar que daqui a um tempo começarão a também vedar o acesso das pessoas de classes menos favorecidas aos campos e times de futebol. Isso seria o fim do futebol como nós o conhecemos e, quem sabe, até algo que pode levar o esporte para o buraco, na medida em que o transformaria em uma espécie de Fórmula 1 com bolas ao invés de carros. Mais do que isso, o futebol brasileiro voltaria a uma situação similar a de seus primórdios, onde era visto como um esporte elitista e de brancos e que para um atleta negro poder jogar em um time era preciso passar maquiagens como o pó de arroz. E isso não é tudo: agora as pessoas que vão para o estádio não vão mais lá para assistir o jogo e torcerem para seu time de coração, como se o fosse o Camisa 12 do time. Agora muitos desses torcedores (se é que podemos chamá-los assim) almofadinhas, do alto de sua futilidade, que ficam principalmente nos assentos VIPs do estádio não vão lá pelo espetáculo em campo, e sim para ficar nas arquibancadas, tirar fotos com os amigos tão ou mais fúteis e depois postá-las em redes sociais. Ou seja, agora nos estádios o negócio não é mais ser o Camisa 12 do time e sim o Rei do Camarote.
A lógica da transformação dos velhos estádios de futebol em sua essência é a mesma da dos food trucks que vendem comida gourmet nas ruas. Assim como as arenas, a comida vendida nesses food trucks, pastelarias e outros estabelecimentos que vendem a tal comida gourmet nada mais é que as velhas e tradicionais comidas só que adicionada de muitos outros ingredientes que a encarecem consideravelmente. Um exemplo disso é o tradicional bolo de chocolate em que se coloca pedaços do chocolate Kit Kat em suas laterais e, em cima, balinhas coloridas recheadas de chocolate. Ou as paletas mexicanas (que em seu país de origem nada tem de gourmet, sendo os equivalentes locais dos picolés vendidos em carrinhos de sorvete aqui no Brasil) vendidas em muitos estabelecimentos comerciais e que nada mais são que os tradicionais sorvetes com um recheio mais “anabolizado” (incluindo morango com leite condensado e chocolate com Nutella, entre outros). E, diga-se de passagem, os food trucks nada mais são que versões dos velhos carrinhos de lanche para rico. E as paleterias, sorveterias para rico. Resumindo a ópera, essas comidas gourmet são para a simples e tradicional comida a mesma que as arenas em relação aos tradicionais estádios de futebol: produtos feitos especialmente para o consumo das classes mais abastadas. E assim como os preços dos ingressos das arenas, o preço desses alimentos gourmetizados é muitas vezes proibitivo para o povo mais humilde.


Foto – Picolé normal x Paleta “mexicana”.

E o que é isso em sua essência? Nada mais que uma maneira de criar novas formas de desigualdade social na medida em que os modos antigos vão se reduzindo ou mesmo sendo extintas. Como todos nós sabemos, no Brasil durante os governos Lula e Dilma (deixemos seus defeitos de lado) as classes menos favorecidas tiveram certa ascensão socioeconômica (ainda que um tanto tímida). Apesar disso (lembremos que, apesar de tudo, o PT governou muito mais para as classes dominantes que para o povão) o incômodo foi tamanho que muitos desses elementos das classes mais abastadas (os quais foram chamados de a “elite branca” por Juca Kfouri em algumas ocasiões) acharem que “aeroporto virou rodoviária”. Assim, as elites tratam de criar novas formas de apartheid social, quer seja através da comida, através do futebol e outros esportes, entre outras coisas. São esses mesmos elementos que em manifestações de rua ficam falando palavras de ordem como “impeachment da Dilma já”, “intervenção militar já”, “Bolsonaro presidente”, “Olavo de Carvalho está certo”, “vai para Cuba”, “fora PTralhas”, “Não à cubanização do Brasil”, “Somos todos Sérgio Moro”, entre outros impropérios. São esses mesmos elementos que adoram vociferar que os nordestinos e nortistas votam mal, mas que votam em políticos tão ou mais tranqueiras como Moreira Franco (o mesmo que abandonou com os CIEPs de Brizola e Darcy Ribeiro), Sérgio Cabral Filho, Marconi Perillo, Eduardo Paes, Paulo Maluf, Jair Bolsonaro, Marcos Feliciano, Jean Wyllys, Pezão, Saturnino Braga, Geraldo Alckmin, Marta Suplicy, Aécio Neves e outros tantos.
A lógica usada na recente destruição do Maracanã, em sua essência, é a mesma lógica usada no mesmo Rio de Janeiro entre 1902 a 1906 durante a reforma urbanística feita pelo prefeito Pereira Passos. Assim como muitas das reformas urbanísticas feitas em várias cidades no Brasil mais ou menos na mesma época, a reforma feita por Pereira Passos foi inspirada na reforma urbanística feita em Paris entre 1853 a 1870 pelo então prefeito Georges Eugène Haussmann[1]. Querendo transformar o Rio de Janeiro (então capital do Brasil) em uma cidade de ares modernos e uma espécie de cartão postal do Brasil para o mundo (em especial para a Europa), as elites da época trataram de construir bulevares inspirados nos criados por Haussmann em Paris, assim como grandes edifícios e largas avenidas (principalmente no centro da cidade). Essa reforma foi chamada pela população na época como “Bota Abaixo”, pois promoveu ao mesmo tempo a demolição de muitos casarões e prédios antigos. O que fez com que parcela significativa da população de baixa renda mudasse para os subúrbios da cidade, no que deu origem às favelas que até hoje fazem parte da paisagem da periferia do Rio de Janeiro. E o que os bulevares de Pereira Passos têm em comum com os estádios de futebol gourmetizados de hoje em dia? Ambos os espaços foram criados para serem usados e frequentados pelas elites abastadas e cridas sob o signo da exclusão e da segregação das camadas mais humildes. E, pelo visto, mesmo nos dias de hoje a questão social ainda é vista por essa mesma elite como “questão de polícia” que nem naquela época.


Foto – Bota Abaixo no Rio de Janeiro (Rua Uruguaiana com 7 de Setembro, 1906).

E o mais grave em todo esse processo de gourmetização dos estádios de futebol é que o mesmo foi realizado com um discurso de combate à violência por parte de torcidas organizadas e afins. Sob tal pretexto, com isso acabou-se com a geral nos estádios, os torcedores que levavam bandeiras e instrumentos musicais para o jogo, cantavam, e empurravam o time. Ou seja, com essa palhaçada toda se destruiu com o verdadeiro torcedor apaixonado por futebol e por seu time de coração. Agora vemos nessas arenas uma massa amorfa que muitas vezes olha o jogo de futebol como um mero detalhe de sua vida social e que vão ao estádio tirar fotos com os amigos e depois postá-las no Facebook e outras redes sociais.
Concluindo, o que se verificou com o Maracanã com a reforma para a Copa de 2014 foi uma grande vergonha, um verdadeiro crime contra a humanidade e contra o patrimônio histórico do Rio Janeiro (não vamos nos esquecer de que o próprio Maracanã foi tombado pelo IPHAN em 2000 e por causa disso não podia sofrer modificações em sua estrutura), assim como para com o próprio futebol e sua história. Com o fim da geral a alma do Maracanã que presenciou tantos jogos e viu tantos craques por lá passarem foi destruída impiedosamente. Tudo isso para atender a interesses escusos de empreiteiras, empresas privadas, políticos corruptos e outros. Como também não vamos nos esquecer do silêncio da grande mídia nacional com relação a isso (que certamente alguma coisa deve ter ganho com esses esquemas).
E agora, como fica? O que passou, passou. Mas isso não é motivo para esquecermos o que aconteceu com o Maracanã e outros estádios que passaram pelo mesmo processo. A questão agora não é ficar lamentando o que aconteceu com o Maracanã, e sim não esquecer para impedir que outros estádios futuramente sejam “gourmetizados”. Por fim, gostaríamos de deixar aqui todo o meu repúdio para com as Arenas (vulgo Estádios Gourmet) e para com o futebol moderno de modo geral, assim como minha esperança de que esse processo de elitização do futebol mais cedo ou mais tarde receba o seu devido freio e o futebol no Brasil um dia volte a ser um verdadeiro esporte do povo e não apenas de uma meia dúzia de abastados que tem dinheiro para pagar por uma cadeira confortável no camarote das arenas. Não ao Futebol Gourmet!


Foto – Maracanã antes e depois da Reforma.

Fontes:

Detesto o futebol gourmet. Disponível em: http://espn.uol.com.br/post/461003_detesto-o-futebol-gourmet
Paleta original mexicana não é nada gourmet; entenda as diferenças. Disponível em: http://comidasebebidas.uol.com.br/noticias/redacao/2015/02/12/paleta-original-mexicana-nao-e-nada-gourmet-entenda-as-diferencas.htm

Veja quais são as diferenças entre o futebol gourmet e o futebol de “verdade”. Disponível em: http://torcedores.com/noticias/2014/12/veja-quais-sao-diferencas-entre-o-futebol-gourmet-e-o-futebol-de-verdade

NOTA:


[1] Leia-se Ôssmann, pois no francês a partícula h é muda que nem no português e no espanhol e a partícula au tem valor de ô.

2 comentários:

  1. Olha eu não sou socialista ,não gosto do PT,porem devo admitir que você está certo.
    O futebol não somente aqui no Brasil mas na Europa e ao redor do globo está passando por uma elitização,o liberalismo está estragando o esporte que tanto gostamos e transformando-o em uma mercadoria,com novas arenas e ingressos caríssimos,times multimilionários que crim times fortíssimos trazendo uma disparidade enorme frente aos seus concorrentes(so observar os campeoes da champions league dos ultimos 20 anos com os de 30 -40 anos atras,idem para as ligad europeias).Isso sem falar nas torcidas que cada vez mais se transformam em torcidas de ténis.

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